sexta-feira, 12 de maio de 2023

INFELICIDADE REAL

 


(Hesitei bastante em dedicar alguma reflexão à coroação de Carlos III, ou seja de quem para muita gente foi sempre o Príncipe Carlos ou Príncipe de Wales, reforçado pelo facto do meu colega de blogue já se ter referido ao evento. Mas esta capa da New Yorker de 8 de maio mexeu comigo e não resisti a uma breve reflexão, tal a força da imagem. Assim, numa muito plebeia sexta feira de Seixas, aqui estão algumas ideias. A coroação e as tropelias ou bravatas da Família Real são daquelas coisas que para os nossos referenciais culturais e políticos passariam a fazer parte dos domínios da nossa indiferença, mas que perspetivadas com as lentes dos súbditos do Reino Unido não podem ser colocadas no baú da indiferença.)

Para aclarar as coisas de início, devo dizer que, depois de visualizar com prazer todos os episódios da saga THE CROWN já distribuídos, tenho dificuldade em ter sobre a Família Real uma perspetiva não influenciada por aquela trama e sobretudo como os diferentes personagens são aí caracterizados. A força dessa representação é tal que para um não súbdito de Sua Majestade é difícil dissociar-se as Reais personagens dessas representações. Charles é, em meu entender, uma das figuras melhor construídas na série e, apesar do sortilégio da vítima Diana e de alguma crueldade que na CROWN é colocada na representação do personagem, em algumas fases do enredo aproximámo-nos do eterno Príncipe e não resistimos a ter pena de alguém que talvez merecesse uma incursão plebeia.

Ser Rei aos 74 anos, Camila doem-me os ossos e as articulações, não deve ser fácil, herdando sobretudo todo o peso histórico e institucional da Mãe e, por isso, a capa da New Yorker é brilhante na sua simplicidade.

Quando olhamos para a coroação do ponto de vista do impacto que, apesar de todas as circunstâncias de infelicidade que a sociedade britânica hoje apresenta, ela gerou, pelo menos mediaticamente, dá para perceber que a história e a cultura são peças incontornáveis para se contextualizar as coisas, inclusivamente aquelas que nos parecem anacrónicas, fora do tempo, carregadas de simbolismos excessivos. Percebemos que a dimensão Republicana apareceu nas manifestações e foi inapelavelmente barrada pelas forças de segurança, mas será difícil atribuir-lhe uma importância que ainda não tem. Sabemos como as sociedades têm dificuldade em distanciar-se dos períodos áureos de outrora e determinados símbolos funcionam como boias de salvação que prolongam essa ilusão. A Família Real inglesa e depois britânica é um pouco isso, embora me pareça que na Escócia e na Irlanda do Norte o símbolo já conta pouco para a persistência dessa ilusão, pois o Brexit encarregou-se nessas faixas do Reino Unido de tornar as indeterminações do futuro mais importantes do que a feliz recordação de outros tempos.

Por isso, a infelicidade Real faz parte do processo, contribuindo para que uma grande parte da sociedade britânica procure nas recordações simbólicas do passado um lenitivo para aguentar as indeterminações do futuro.

 

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