quarta-feira, 3 de maio de 2023

AS LIÇÕES DA POLÍTICA, NEM TODAS PÉSSIMAS

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Dia absolutamente excecional e alucinante, pleno de movimentações e episódios com suspense e encerrado com um inesperado final e a sua tradução em termos de gestação de uma situação inédita no nosso quadro democrático. Não faltarão sobre este dia histórico comentários de muitas formas e feitios e para todos os gostos, o que determina que aqui evite, por manifesta desnecessidade, detalhes factuais e interpretativos. Não obstante, deixarei três breves apontamentos de fundo.

 

Primeiro, o de quanto a política em todo o seu malvado esplendor é um verdadeiro espaço de encenação e inverdade. Senão, veja-se o comunicado do SIRP, pela manhã, a informar que agiu por iniciativa própria na recuperação do computador atribuído ao adjunto de Galamba que alegadamente continha informação considerada classificada ― manda quem pode e obedece quem deve! ― ou vejam-se as razões “de consciência” invocadas pelo primeiro-ministro para não demitir Galamba, omitindo sem qualquer pudor a realidade dos diversos tipos de factos que induziram todo o naipe de analistas e comentadores nacionais a pronunciar-se pela insustentabilidade da posição do ministro. Para não falar do essencial, em sede de bluff político, que foi uma carta de demissão de Galamba entregue depois da saída de Costa de Belém e, portanto, obviamente combinada entre os dois (na forma e no timing).

 

Segundo, o da evidência de que Costa jogou uma cartada de retoma da iniciativa política que tornou corajosa a sua falta de escrúpulos (que já conhecêramos em vários outros momentos, Seguro que o diga!) e que, podendo vir a correr-lhe menos bem, não deixou de ser reveladora de uma frieza, capacidade de assunção de risco e eficácia tática que se têm de registar e, até mesmo, de aplaudir (mesmo que se não goste). Porque agora ou Marcelo se acobarda (e tudo prosseguirá nesta apagada e vil tristeza) ou Marcelo dissolve (e as eleições virão no momento mais propício para um Partido Socialista que ainda não tem um adversário moderado à altura, com a continuada subida do “Chega” a resultar num inevitável dano colateral a ter de ser acolhido).

(excerto de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Terceiro, o da não menos óbvia evidência de que Marcelo se pôs a jeito durante todos estes anos em que falou muito e demais acerca de tudo e de nada, suportou várias diatribes governamentais sem grandes enfrentamentos firmes (quando não até com alguns encantamentos), desvalorizou rudemente a Oposição existente e passou os últimos meses em ameaças veladas quanto aos poderes dissolutivos que só ele poderia exercer ou não consoante uma única e exclusiva avaliação própria. Agora, resta a Marcelo o silêncio (missão impossível?) de um tímido assobiar para o lado, na eventual expectativa das ajudas que a CPI e o desacerto de inúmeros governantes lhe poderão trazer, ou a alternativa da loucura pouco mansa de uma perigosa vingança de consequências imprevisíveis.


(Luís Afonso, “Bartoon”, https://www.publico.pt)

No final de um dia atribulado como nunca, les jeux sont faits. Porque nada mais será igual na política portuguesa dos próximos meses e anos, o que quer que isso possa querer dizer de facto. A dominar, uma instabilidade latente que, como quase sempre ocorre em tais situações, jogará necessariamente contra o mexilhão.

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