É para mim um espanto sempre e cada vez mais renovado assistir a tudo quanto respeita às pomposas manifestações que acontecem no quadro da monarquia britânica. Tudo como se o mundo tivesse parado num tempo longínquo e ainda funcionasse de acordo com códigos datados e que já não se adequam à nossa época. Tudo como se os incidentes e escândalos familiares internos pudessem ser desvalorizados ou esquecidos, mesmo quando atingem proporções indisfarçáveis. Tudo como se o povo, na sua maioria, funcionasse em dois tabuleiros, o da modernidade da economia e da sociedade e o de uma tradição reconhecidamente inconcebível mas largamente respeitada porque essencialmente inofensiva (apesar dos custos e da prevalência da forma em relação ao conteúdo).
Assim foi em cúmulo no último Domingo com a coroação de Carlos III, apesar de uma castigadora e copiosa chuva e de vários complementos de mau gosto que acrescentaram ao grotesco do fenómeno. Com os jornais do país a fazerem capas de invariável aplauso, quer os prestigiados e centenários quer os pasquins de tipos diversos. Com alguns protestos pelo meio (not my king), sem grande expressão, sob o olhar certamente vigilante da recém-falecida Rainha e seu príncipe consorte, com milhões de malvestidos a criticarem os detalhes (nomeadamente vestimentais) da cerimónia e com um balanço final bastante positivo face aos temidos riscos de irrupção de elementos de senilidade por parte do protagonista (74 anos), de alegria desmedida por parte da amante feita Rainha (Camilla) ou de algum feio por parte do príncipe autoexcluído (Harry). Alienação pura e dura ou algo com contornos positivos porque atreito ao conservadorismo de valores históricos e societais? ― tema para uma boa discussão, para mim sem grandes espinhas por muito que tenha passado mais de seis décadas a ouvir falar do dia em que um tal Carlos seria rei...
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