segunda-feira, 8 de maio de 2023

A IMPORTANTE ENTREVISTA DE ANDRÉ RODRIGUÉZ-POSE

 



(O nome de Andrés Rodríguez-Pose tem-se destacado nos últimos tempos na tribo da ciência regional, particularmente da que mais influencia a Comissão Europeia nessa matéria. Professor na London School of Economics na área da geografia económica, mas revelando uma ampla polivalência disciplinar, Rodríguez-Pose é hoje o referente da nova geração de cientistas regionais, muito ativo na divulgação do conhecimento nas redes sociais, sobretudo no Twitter e protagonizando um modelo que é mais comum na academia americana do que na europeia. Faz parte, como referi, do núcleo mais próximo de cientistas regionais junto da Comissão Europeia e é sob a sua supervisão que o futuro das políticas de coesão está a ser discutido e reequacionado. Pareceu-me, assim, especialmente avisado que o Público lhe tenha dedicado uma ampla entrevista.  Para lá do seu protagonismo individual que é indiscutível, Rodríguez-Pose tem trabalhado com outros cientistas regionais (1), com relevo particular para a europeia Simona Iammarino (já referenciada pelo meu colega de blogue a propósito de um inspirador webinar organizado pela Comissão Europeia e o americano Michael Storper, um dos grandes expoentes ainda vivos da ciência regional e urbana. É este grupo que tem sido responsável pelo desenvolvimento do conceito de “armadilha do desenvolvimento” (development-trap), referido no último Relatório da Coesão e abundantemente mencionado pela Comissária Professora Elisa Ferreira, a propósito de alguns países de rendimento intermédio como Portugal, que mostram dificuldade em ultrapassar esse limiar de desenvolvimento e iniciar uma trajetória mais virtuosa e sustentada.

 

Por conseguinte, além de perfeitamente justificada, a entrevista de Pose ao Público (2) tinha a particularidade de podermos ouvir o que um dos autores da ideia tem a dizer sobre o caso português. Devo confessar que a leitura da entrevista excedeu todas as minhas expectativas e considero-me um bom conhecedor da obra de Rodríguez-Pose. E excedeu as minhas expectativas pois o cientista não hesitou em considerar que o centralismo das apostas estratégicas que o Governo português tem realizado nos últimos tempos, realizadas com a ajuda do financiamento europeu é o principal responsável pela situação de armadilha do desenvolvimento em que a economia portuguesa parece estar mergulhada. Aliás, o jornalista Victor Ferreira é hábil quando puxa para título da entrevista “O nível de estagnação em Portugal tem-se concentrado em Lisboa”. Preto no branco sem delongas e subterfúgios, fruto de uma realidade que já aqui sublinhei repetidas vezes neste blogue: a aposta em Lisboa pode ser essencialmente associada a um modelo de desenvolvimento baseado nos não transacionáveis, exaurido tragicamente com a crise das dívidas soberanas. Pose acrescenta a este argumento um argumento demolidor para o centralismo: “Lisboa e a sua envolvente, enquanto maior aglomeração não tem funcionado como motor”. Embora Pose refira que não estudou em profundidade o caso português, atira com uma conclusão que é um murro no estômago do centralismo. Na entrevista, vai à procura de alguns argumentos explicativos, passa pela dimensão da capital, mas acaba por se concentrar na ausência de recursos certos para criar um ecossistema mais dinâmico e compara para isso Lisboa com cidades de dimensão igual ou inferior a Lisboa, como Munique, Zurique ou Copenhaga. E acaba por apontar a um modelo espacial mais diversificado, apontando o exemplo da Espanha e relembrando que Lisboa são apenas dois milhões em dez.

Mas a entrevista vale mais do que este murro no estômago do centralismo, trazendo-nos elementos interessantes sobre as combinatórias de recursos que têm tornado possível que alguns países e regiões tenham escapado à armadilha do desenvolvimento e outros não. Os argumentos de Pose começam a coincidir em grande medida com o que sabemos hoje da inovação – ela é indeterminada à partida e por isso é praticamente impossível descobrir as receitas do êxito e só a posteriori temos sido capazes de entender e distinguir as combinatórias melhor-sucedidas.

(1) https://cepr.org/voxeu/columns/regional-development-trap-europe

(2) https://www.publico.pt/2023/05/07/economia/entrevista/nivel-estagnacao-portugal-temse-concentrado-lisboa-2048614

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário