(Não escondo que tenho uma especial aversão por manifestos, cartas abertas ou outras formas de tomadas de posição pública a favor ou contra uma determinada matéria. A sua vulgarização tende a transformar estas formas de expressão pública em algo que raramente reveste a modalidade de petição. Constituem, isso sim, uma manifestação interessante de confluência ou convergência de interesses. Na minha eterna qualidade de alguém que não escolheria um clube que me aceitasse como sócio (exceção ao SLB que é mais do foro da religião), tenho extrema dificuldade em juntar-me a processos desta natureza, bem dizendo a minha característica de homem socialmente invisível para me dispensar o incómodo de associar o meu nome a iniciativas quixotescas, muitas vezes presas a um passado que não regressa. Como seria de prever e apesar do esterco lavado em público em que o dossier da TAP se transformou, o encaminhamento para uma privatização da companhia que não é por estes dias segura e inquestionável, haveria de dar origem a uma declaração qualquer dos obstinados defensores da TAP como companhia pública. Os 25 moicanos da TAP têm a sua legitimidade intacta para se manifestarem contra a privatização da companhia e não será seguramente nesse plano que os critico. Num universo de subscritores que envolve essencialmente gente do Bloco de Esquerda e da esquerda do PS, o que me choca é a baixa qualidade da argumentação com que o grupo dos 25 se apresenta. E isso já é debate de ideias, não tem que ver com confrarias.
Espanta-me ver gente de muita inteligência e ampla bagagem cultural e económica defender argumentos de uma debilidade espantosa.
Primeiro, associar a importância da TAP ao turismo e retirar daí argumentos para repudiar a privatização deixa-me atónito. Como se o mercado turístico não continuasse a existir sem uma companhia de bandeira. E muitos dos subscritores são capazes de amanhã, num artigo qualquer, barafustarem contra o peso do turismo na economia nacional e contra o caráter nocivo do seu peso no modelo de crescimento português. Turismo sim para justificar a não privatização, turismo não como elemento de um modelo de crescimento. Em que ficamos?
Associado a este argumento o grupo adere (Daniel Oliveira sempre se esmerou na sua defesa) ao argumento do grande hub lisboeta do transporte aéreo que a TAP viabiliza. Já noutras ocasiões me referi a essa ilusão, também tributária do não reconhecimento da especificidade do modo como o transporte aéreo está hoje organizado.
Segundo, os subscritores colocam no mesmo saco a privatização da TAP com outras privatizações impreparadas, suspeitas ou ruinosas. O erro implícito é não reconhecerem qualquer especificidade ao transporte aéreo. Ora essa especificidade existe e ela resiste ao tonitruante “Portugal não está à venda”. Basta recordar que companhias de bandeira hoje existem para perceber o topete nacional de querer manter uma companhia de bandeira.
Terceiro, não me parece correto invocar a intervenção do Estado (nacionalização) na companhia em plena pandemia para justificar a sua não privatização futura. Sabemos que todas as companhias foram intervencionadas, o que não significa necessariamente nacionalização. Por isso, extrapolar essa situação para uma cenarização futura parece-me pouco coerente.
Quarto, os subscritores, talvez influenciados por Pedro Abrunhosa lá dedicam um pequeno parágrafo à cobertura de todo o território nacional, provavelmente para não ferir a ideia do hub, quando certamente sabem que o Norte tem razões de queixa profundas da companhia e certamente que o seu boom turístico pouco deve à TAP.
Resumindo, toda a legitimidade aos 25 moicanos para repisar argumentos conhecidos, mas pouco convincentes. Algum saudosismo político, ilusão económica à mistura, convergência de trajetórias pessoais, uma certa esquerda com a qual pouco me identifico e que continua a refletir aquela esquerda que se recusa a entender a problemática da empresa e com ela trabalhar numa perspetiva progressista.
Mais uma carta aberta que ficará perdida por aí, para memória futura.
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