segunda-feira, 1 de maio de 2023

CUIDADO COM OS NÚMEROS ENCANTADOS!

Inebriados e enredados nas inconcebíveis “galambices” e numa espera ansiosa pelo “Desejado” destes terríveis tempos, os nossos políticos e comentadores enchem agora a boca com a vulgarização de uma ideia pouco rigorosa: a de que tudo o que está a acontecer vai contra o sentido revelado pela economia e finanças; ou seja, teríamos uma política à deriva e uma economia a emitir esplêndidos sinais positivos e de esperança.

 

Do que pude ler e ouvir, apenas um jornalista veio deixar apontamentos equilibrados sobre esta matéria. Refiro-me a Luís Reis Ribeiro (LRR) no “Dinheiro Vivo” de ontem, a quem saúdo. Por um lado, LRR não deixou de constatar a evidência subjacente ao entusiasmo dos colegas, assim: “O crescimento explosivo do setor das viagens e do turismo no arranque deste ano foi decisivo para o crescimento da economia portuguesa que, em termos reais, avançou bastante mais rápido no primeiro trimestre deste ano do que antecipavam os economistas e o próprio ministro das Finanças”. Em linha, aliás, com o que referia o “El País” no dia anterior, aquando da divulgação das primeiras estimativas pelo Eurostat: “Tudo aponta para que os consumidores europeus estejam incrementando a sua despesa em viagens e turismo em detrimento do consumo de bens, o mais afetado pela escalada dos preços. São os países mais dependentes do turismo que lideram a classificação europeia, como a Itália (+0,5% no primeiro trimestre, o mesmo que Espanha) e, sobretudo, Portugal (+1,6%), enquanto atolam as potências industriais como a Alemanha (0%) e a Áustria (-0,3%).” Uma realidade a não deixar de registar, portanto, mas nada mais do que uma realidade conjuntural que importa avaliar e sublinhar com as devidas cautelas se olharmos o médio e longo prazo.

 

Mas, e por outro lado, LRR acrescenta, e bem, o que é analiticamente mais significativo em termos económicos e estruturais: “No capítulo do crescimento, Portugal ainda continua a crescer acima da média europeia, a convergir em termos reais, como se costuma dizer, mas cada vez menos, já que a tendência é de claro abrandamento no ritmo global da economia nacional, a travagem cá está a ser mais rápida do que a nível europeu, mostram os dados do INE e do Eurostat.” Fui, para os devidos efeitos, observar os novos dados apurados pelo Eurostat e as tendências mais recentes dos mesmos indicadores (vejam-se os dois gráficos seguintes, mas especialmente o segundo), do que ressaltam a dita “surpresa favorável” (subida homóloga do PIB em 2,5% neste primeiro trimestre de 2023, aliás o terceiro mais elevado dos dez países já apurados pelo Eurostat) mas também “um claro arrefecimento face ao passado recente” traduzindo “o pior desempenho económico em termos reais (já descontando a inflação) dos últimos dois anos” (reforçando: “há um ano, no primeiro trimestre de 2022, Portugal estava a crescer quase 12%, mais do dobro do ritmo da zona euro. Agora a diferença é de apenas 1,2 pontos percentuais”). Também o INE confirma evoluções duvidosas, ou seja, que “a economia como um todo está a abrandar há quatro trimestres consecutivos”, salientando especialmente a tibieza da procura interna, a travagem do consumo das famílias e o investimento já em queda.

 

Concluo, pois, com LRR: “A convergência real com a Europa prossegue, mas o caminho é cada vez mais estreito”. E acrescento: não adianta que, para efeitos de chicana política ou de florear a análise, haja quem teime em ver o copo meio cheio quando ele está também, e principalmente, meio vazio. A questão do crescimento português é uma questão séria, séria porque vital para a nossa afirmação e sustentação económica e séria porque obviamente insensível a truques discursivos provenientes de quaisquer oscilações conjunturais que a manipulação dos números sempre autoriza.


(Elaboração própria a partir de https://ec.europa.eu/eurostat)

(Elaboração própria a partir de https://ec.europa.eu/eurostat)

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