(A Espanha política transformou-se num laboratório riquíssimo de observação, com destaque para a intensa agitação eleitoral em torno do 28 de maio, em que as eleições municipais e algumas regionais rapidamente assumiram o papel de uma espécie de primeiro round, cujo troço final se reduz à questão de saber se o PP consegue ou não desalojar Sánchez do poder, com a importante questão subjacente se o conseguirá fazer com ou sem a ajuda da extrema-direita do VOX. O laboratório de observação é tão rico e variado que se torna difícil destacar o material mais relevante, pensando sempre no que podem representar esses ecos para uma possível extrapolação, cuidada e devidamente contextualizada, para os afrontamentos políticos em Portugal.
A campanha das locais e algumas regionais está ao rubro e nela pontificam questões das quais gostaria de destacar as seguintes:
- À esquerda do PSOE reina a grande confusão, pois ainda não é claro se o projeto SUMAR de Yolanda Diáz, Vice-Presidente de Sánchez, soma efetivamente com o PODEMOS ou se, pelo contrário, tenderão a comer o seu próprio eleitorado, o que não será indiferente do ponto de vista do número de eleitos regionais ou locais necessários para barrar a ascensão do PP e do VOX;
- No que respeita ao PP, continua a refrega entre o espírito mais tecnocrata e moderado de Feijoo e a natureza agressiva e abrasiva de Isabel Diáz Ayuso, Presidente da Comunidad de Madrid, da qual se sabe que 4 em 10 tweets seus são consumidos numa cruzada, por vezes insultuosa, contra Sánchez, como que dizendo que isto não vai de paninhos quentes à Feijoo e que os eleitores precisam de sangue, assumindo nessa base a maior força de tiro contra o PSOE; Feijoo tem-se visto aflito nesta procura de equilíbrio e quando uma personalidade com estas características se coloca na rota do populismo agressivo de Ayuso é o desastre;
-
Quanto ao PSOE, muito dividido por força da estratégia
de aproximação de Sánchez aos regionalistas radicais, tipo BILDU ou Esquerra
Republicana, terá provavelmente uma grande vitória em Barcelona, tudo indica
que desalojando em número de votos Ada Colau, apesar desta ter atraído apoios
de Chomsky, Mujica, Piketty e do Presidente da Câmara de Londres, não sendo
ainda seguro que possa formar governo na capital catalã; a aproximação de
Sánchez ao radicalismo regional, forçada pela necessidade de assegurar maiorias
no Congresso de Deputados (Parlamento), tem-lhe assegurado uma torrente de
problemas, o mais impactante dos quais foi o BILDU basco ter colocado nas suas
listas (com recuo posterior) de antigos presos da ETA; uma autêntica passadeira
vermelha para o VOX e Ayuso terem desenterrado para a campanha eleitoral a
velha questão da ETA, acusando Sánchez de mimos como o de cúmplice com assassinos
A movimentação de Sánchez neste fervilhar de emoções é um verdadeiro manual de tática política. O primeiro-ministro espanhol tem cavalgado com força a dimensão internacional da Espanha, mostrando-se em poses de colaboração com Biden ou com Ursula von der Leyen, o que deixa o PP e a extrema-direita em puro transe de raiva e revolta. Por outro lado, tem trabalhado politicamente a preceito a evolução favorável da situação da economia espanhola, embora lendo com maior profundidade a última apreciação da economia espanhola realizada pela Comissão Europeia possa compreender-se a acusação feita por alguns de que Sánchez e o seu governo são campeões da prestidigitação estatística. Mas uma coisa é certa. A economia e o emprego têm ficado de fora da campanha eleitoral, o que pode ser um bom indicador de que é campo considerado pouco favorável para a oposição ser consequente nos seus argumentos. E o próprio governo tem trabalhado mais as questões da saúde e da habitação, deixando que a evolução da situação económica fale por si. Tal como tem sido observado em Portugal, a evolução económica global (PIB) e do emprego tem sido muito satisfatória no plano comparativo europeu, a cuja evidência os mais críticos replicam com o facto dessa evolução positiva não estar a chegar aos bolsos dos portugueses e dos espanhóis. Obviamente que a inflação complica essa transformação, mas à medida que o fenómeno parece ter estancado as suas manifestações mais cumulativas esse argumento crítico pode começar a perder força. Não sei exatamente se os resultados do 28M em Espanha irão ser marcados por esses aspetos macro, mas, com as características e origens do processo inflacionista que se conhecem, torna-se cada vez mais difícil construir argumentos eleitorais de oposição em torno desse mantra. Por isso, na campanha desbocada de Ayuso as questões da ETA voltaram ao palco, com a proposta de ilegalização política do BILDU, colocando Feijoo numa situação de grande vulnerabilidade política. Não foi por acaso que o Constitucional espanhol veio reafirmar a legitimidade política do BILDU.
Aproxima-se, por isso, um domingo de grande interesse político. Não somos obviamente a Espanha e, como costumo dizer, o Bloco e o PCP são uns anjinhos papudos quando comparados com os apoiantes da coligação PSOE-PODEMOS no poder. Mas como eleições intermédias, em plena trajetória de conquista do poder pela direita, o 28-M trará seguramente inúmeras perspetivas de análise.
Até lá.
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