terça-feira, 16 de maio de 2023

ROBERT E. LUCAS JR PASSED AWAY

 


(Graças ao sempre atento e estimável Noah Smith, que acompanho com reverência, tomo conhecimento do falecimento do Nobel de Economia Robert E. Lucas Jr. ou simplesmente Professor Lucas como o designávamos nas andanças académicas. Cheguei à obra de Lucas essencialmente por duas vias.

A primeira quando lecionava na licenciatura em Economia da FEP uma disciplina optativa designada de Teoria dos Ciclos Económicos. Nessa altura, ninguém poderia ficar indiferente, embora tivéssemos com ela uma relação de amor e ódio, dada a profundidade das nossas convicções, à crítica da política económica keynesiana que Lucas empreendera sobretudo com um artigo de 1976 designado de “Econometric Policy Evaluation: A Critique”. O período de estagflação então observado foi muito bem utilizado por Lucas e seus seguidores para colocar um epitáfio, que veio a revelar-se precipitado, nos contributos de Keynes para o planeamento e racional da política económica. Lucas aderia então a um paradigma das expectativas racionais, concebido no pressuposto de que as decisões económicas são assumidas pelos agentes económicos, pressupostamente considerados como racionais e admitindo que tomam decisões num período temporal infinito. O grau intenso de formalismo matemático que essa dimensão da obra de Lucas apresentava impunha respeito a qualquer um, mas a evolução do tempo e sobretudo a crise financeira de 2007-2008 haveria de conduzir a uma relativização das posições de Lucas na matéria. A ideia de que o ciclo económico tinha desaparecido na sequência do aperfeiçoamento da política monetária haveria de ser questionada pelo próprio Lucas, sobretudo num artigo que escreveu a convite do Economist para a revista na sequência da já referida crise financeira de 2007-2008.

A segunda via de encontro com a obra de Lucas aconteceu com a docência de Teoria do Crescimento Económico, na qual o artigo seminal “On the mechanics of economic development” que relacionava o crescimento económico com a acumulação de capital humano fazia parte do corpo central dos modelos de crescimento endógeno que introduzimos na FEP. Nesse artigo, a acumulação de capital humano era vista como um processo de evolução familiar e foi nesse artigo que muitos de nós compreenderam a irreversibilidade de um argumento que haveria de ser recuperado para as teorias da inovação: somos mais produtivos quando trabalhamos conjuntamente com pessoas mais qualificadas e daí que tendamos a abandonar territórios em que há escassez de mão de obra qualificada e onde por isso poderíamos ser melhor remunerados para rumar às grandes concentrações de capital humano e onde paradoxalmente em contexto de abundância poderemos ser melhor remunerados. Recordo-me que, nesse artigo seminal de 1988, Lucas perguntava habilmente: O que é que pode justificar o interesse de empresas da publicidade ou da comunicação em pagar as rendas elevadíssimas de concentrações urbanas como a de Nova Iorque senão a procura do conhecimento tácito que circula nas grandes massas críticas de concentração de recursos humanos qualificados?

Ainda há dias quando escrevia algumas notas sobre a magnitude de espaços de escritórios vazios que a Cidade de Nova Iorque hoje apresenta na sequência do trabalho à distância e/ou híbrido me recordava desse argumento de Lucas e como é que a própria teoria das concentrações de capital humano teria muito provavelmente reformulada se o fenómeno tender a generalizar-se de modo consolidado.

Assim, a relação de amor e ódio mais intensa com a crítica da política económica de Lucas do que com a sua teoria do capital humano e do crescimento endógeno haveria de prolongar-se uns tempos depois com a cruzada crítica que o também Nobel Paul Romer e ex-aluno de Lucas em Chicago promoveu contra o matematismo exagerado (mathiness) do grupo das expectativas racionais e sobretudo com a sua reiterada utilização dos princípios da otimização, pressupondo que os agentes económicos pensam e decidem com base  num período temporal infinito, com capacidade plena de previsão do futuro.

Entretanto, como o relembra o perspicaz Noah Smith, o próprio Lucas haveria de relativizar bastante as suas posições sobre a crítica da política económica, aceitando indiretamente que o seu epitáfio quanto aos contributos de Keynes fora precipitado. Assim, Smith apresenta algumas afirmações de Lucas em entrevistas nas quais considera adequadas as intervenções da política monetária e fiscal inspiradas por princípios keynesianos. A passagem do tempo pelas ideias económicas constitui um processo com transformações imprevisíveis, tendo a crise de 2007-2008 e a Grande Recessão que se lhe seguiu deixado marcas na teoria do ciclo económico e das Grandes Recessões em geral e obviamente no próprio Lucas. Assim, se hoje reensinasse os contributos de Lucas haveria de o fazer com outra distância, talvez já sem essa sensação de amor e ódio quando contactei com a sua obra.

Não sabemos como é que Lucas, que votou conscientemente Obama, terá convivido nos seus últimos anos de vida com o desafio que os factos colocaram quer à sua crítica da política económica, na altura poderosa e apelativa, quer à sua própria teoria do capital humano. Não sabemos se terá convivido bem com o prazer da evidência sacrificar uma teoria ou se terá alimentado alguma amargura com essa evidência. O que sabemos é que, alinhados ou não com as suas perspetivas, um Grande desaparece de cena, deixando que o tempo se abata sobre os seus contributos, de modo a que sejam ratificados ou destruídos em função das evidências futuras.

 

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