(Chiara Burlina e Andrès Rodríguez-Pose)
(Para meu espanto, ainda me espanto com estas coisas, sou incorrigível, a entrevista de Andrés Rodríguez-Pose ao jornalista Vítor Ferreira do Público, na qual associa em grande medida a armadilha do desenvolvimento de Portugal ao centralismo económico ainda vigente em Portugal, não gerou o debate por mim esperado. Cá para mim, a grande generalidade dos comentadores e polemistas de trazer por casa fazem-se de mortos ou distraídos nestas coisas, deixam passar a onda, sabendo que um dia ou dois chega para apagar o fogo e depois ninguém liga mais ao assunto. O que me choca é que o cada vez mais discutível Círculo de Estudos do Centralismo, presidido pelo Professor Sebastião Feyo Azevedo, com sede em Miranda do Douro, tão afoito a registar atividade dos seus membros (tenho-me recusado a entrar por essa via) ignorou olimpicamente a entrevista, que é para mim, dado o prestígio e audiência de Rodríguez-Pose, um dos grandes murros no estômago do centralismo económico dos últimos tempos. Oh can’t we have a better debate corps?, como diria o Bradford DeLong. Como estamos em maré de Pose, trago hoje ao vosso conhecimento um artigo assinado pelo professor da London School of Economics conjuntamente com Chiara Burlina da Universidade de Pádoa, que versa uma matéria, a solidão, que tratei aqui num plano mais pessoal analisando os dados de um estudo publicado em Espanha pela Fundación ONCE. O artigo de Burlina e Pose é sobretudo relevante, pois é realizado à escala das regiões da Europa, o que permite cruzar com diferentes contextos socioculturais, e também porque compara com uma outra característica das atmosferas urbanas mais jovens, o viver sozinho, analisando as implicações de ambos do ponto de vista do crescimento económico.
Até aqui, a questão da solidão tem aparecido tratada no âmbito do fenómeno do envelhecimento e do isolamento, urbano ou rural, associado, merecendo atenção sociológica, psicológica ou mesmo clínica, pois ela associada a patologias sociais que decorrem da ausência de interação com os outros. É assim possível ver em revistas de medicina como a The Lancet ou a Public Health artigos sobre o tema. Na prática, é uma forma de definhamento que se trata, agravando cumulativamente o definhamento físico que o envelhecimento sempre traz e gerando novos problemas de saúde pública.
O estudo de Burlina e Pose é relevante pois transporta o problema para as suas implicações em termos de crescimento económico. A abordagem cruza dois conceitos, o de viver sozinho que é medido pela percentagem de alojamentos ocupada por uma única pessoa e o de solidão, que é medido através de uma variável de aproximação, a percentagem de interações sociais em que os indivíduos participam.
Como se compreende, o fenómeno do “viver sozinho” não está necessariamente associado a situações de solidão, embora isso dependa do escalão etário e do padrão de rendimentos. O viver sozinho pode ser acompanhado de uma intensa e diversidade rede de interações pessoais, não sendo por acaso que o fenómeno se tem mais generalizado entre os jovens (com predomínio de mulheres), com possibilidades económicas para garantir o acesso a habitação individual.
E é assim que no estudo de Burlina e Pose o viver sozinho surge associado a um maior dinamismo económico, embora se possa questionar se a relação de causalidade acontece entre o viver sozinho e mais crescimento económico ou se, pelo contrário, a relação se observa entre a maior juventude de quem vive nessa situação e as profissões que apresentam.
De qualquer modo, a dimensão do fenómeno solidão, distinto do de viver sozinho, emerge como um fator penalizador do crescimento, evidenciando que as regiões com índices mais baixos de sociabilidade crescem menos do que as regiões em que a interação entre os indivíduos é realizada com mais intensidade e regularidade, mas muito dependente da frequência das interações realizadas. O artigo chega a uma conclusão geral que pode ser enunciada do seguinte modo: os efeitos do viver sozinho são importantes em matéria de crescimento económico, mas os efeitos potenciais da solidão sobre o crescimento embora globalmente sejam negativos dependem fortemente da frequência com que a interação social é realizada.
Se a medida da relevância do “viver sozinho” não oferece questões de maior, já que a informação censitária cobre perfeitamente o fenómeno, a determinação do índice de sociabilidade tem de recorrer ao tratamento de uma questão colocada no âmbito do European Social Survey: “com que frequência de encontra socialmente com amigos, conhecidos ou colegas de trabalho?”
O estudo elabora a partir desta base dois indicadores.
Um índice de sociabilidade regional que mede o número total de encontros interpessoais independentemente da sua frequência:
ISR= “(Nº total de encontros por região por região e ano – Média de encontros por região e ano) /Desvio padrão da frequência de encontros por região e ano”.
São ainda construídos indicadores para cada um dos sete níveis de frequência de encontros que o inquérito contempla, desde a situação de zero encontros até à de encontros diários.
As figuras seguintes indicam a distribuição regional da percentagem de população a viver sozinha em 2011 e o índice de sociabilidade em 2017.
Conforme poderão verificar é flagrante a diferença de posição das regiões portuguesas no viver sozinho (muito baixa) e na sociabilidade (muito alta), sendo possível observar que o Norte surge com uma posição muito tradicional de muito pouca gente a viver sozinha.
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