quinta-feira, 11 de maio de 2023

DOS LIMITES DA AMIZADE EM DEMOCRACIA

António Guterres é um dos poucos políticos portugueses que se distinguem pela positiva nestes nossos cinquenta anos de democracia. Ocupa ademais um cargo altamente prestigiado a nível internacional e de contornos muito difíceis, onde tem dado o melhor de si apesar de alguns afloramentos críticos (e talvez injustos) que lhe têm sido dirigidos por escassez de ação ou firmeza no respetivo exercício. Assim, e a despeito de se tratar de um galardão cuja notoriedade acaba por estar algo limitada à Ibéria, nada será de opor ao mérito subjacente ao prémio que lhe foi atribuído (Carlos V) e entregue pelo rei de Espanha. No quadro em causa, já julgo duvidosa, mas também assética, a presença simultânea do Presidente da República e do Primeiro-Ministro na cerimónia realizada na Extremadura. Como entendo excessivo de vários pontos de vista, e até contraproducente, o carregado elogio de Marcelo ― qual príncipe! ― ao seu amigo de infância e juventude: “Era o melhor da sua geração. Era o melhor na capacidade de sonhar, liderar, mobilizar. Era o melhor na agudeza da inteligência, na excelência da carreira académica, no brilho da oratória, na ilimitada extensão do conhecimento, no cuidado do pormenor, na perceção dos factos, das situações, das pessoas. Era o melhor da humanidade, no saber falar à cabeça mas sobretudo ao coração. Na empatia, na cumplicidade afetiva com os outros ― todos os outros e em especial os mais pobres, mais dependentes, mais excluídos. Era o melhor em engenharia, na aplicação do seu rigor à economia, na visão geoestratégica, tanto macro, nas relações entre povos, como na geoestratégia micro dos bairros de lata, das crianças do interior do nosso país, dos que não tinham água, não tinham saneamento básico, não tinham acesso à saúde, não tinham escolaridade mínima nem proteção social no Portugal de há 60 anos.” Considerações objetivamente laterais as minhas, reconheço-o sem qualquer restrição, mas ainda assim quis deixá-las para deixar dito que não é essencialmente sadio nem reprodutivo em termos de uma cidadania consciente e ativa o círculo fechado e autoalimentador (quando não aproveitador, o que não se aplica ao caso em apreço) em que vive a política democrática destes dias.

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