Não é fácil encontrar economistas que deem a cara
e rejeitem fundamentadamente a tese hoje muito mais generalizada de que as políticas
de austeridade representam um forte entrave a uma mais rápida recuperação da
economia europeia e às perspetivas de crescimento económico mais elevado. Os
defensores de tais posições têm-se refugiado quer no “quem tem poder manda” dos
alemães, quer numa vaga invocação de que os “mercados” torceriam o nariz a um
ajustamento mais lento e menos penoso para as economias do sul.
Por isso, quando alguém rompe essa barreira da não
fundamentação para discutir alguns argumentos com um mínimo de solidez que
valha a pena abrir o debate, vale a pena dedicar-lhe alguma atenção.
Lorenzo Bini Smaghi, professor visitante da Universidade
de Harvard, está nesse campo ao propor no VOX EU um pequeno artigo designado de
“Austerity and Stupidity” no qual procura
desmontar a pretensa estupidez dos que teimam contra todas as evidências em
persistir com as políticas de austeridade, mostrando que a estupidez pode estar
em não recorrer a políticas mais favoráveis.
Smaghi joga com algumas correlações econométricas,
embora considere que tal exercício só pode ser exploratório, pois com onze
observações qualquer estudante de economia sabe que não senão explorar algumas
ideias e abster-se de qualquer perspetiva conclusiva.
Eis alguns resultados exploratórios
proporcionados pelos exercícios singelos de Smaghi:
- Se não incluirmos a Grécia na análise a correlação negativa entre peso da austeridade e crescimento do PIB surge bastante menos robusta do que se a incluirmos (pergunta-se: por que razão retirar a Grécia sendo esta o caso mais extrema do peso da austeridade no PIB?);
- O crescimento económico mais fraco surge também fortemente negativamente correlacionado com indicadores de dificuldades financeiras (os yields da dívida pública a 10 anos) e de dificuldades de crédito (taxas de juro de empréstimos de novos negócios);
- O crescimento económico mais baixo tem também uma forte correlação com os indicadores de competitividade (quanto piores estes últimos mais baixo o crescimento económico);
- O crescimento económico é também fortemente penalizado por baixos indicadores de acesso à internet e de literacia numérica.
O que Smaghi pretende demonstrar é que não foi a austeridade que determinou o baixo crescimento, mas sim que o baixo crescimento potencial provocou a austeridade.
A tese de Smaghi não é tão radicalmente heterodoxa
como ele imagina. Ninguém com bom senso económico rejeita a ideia de que o
crescimento económico pode ser inibido ou penalizado com baixos níveis de
competitividade ou com dotação desfavorável de fatores favoráveis. Ninguém nega
que os países sob intervenção padeciam de constrangimentos estruturais sérios
ampliados por más decisões de política económica, responsáveis por deficiente
afetação de recursos de capital na economia. O que está fundamentalmente em
causa é que o ajustamento dessas economias, impuras e com os referidos
constrangimentos estruturais, é fortemente agravado com o referido peso da
austeridade e com processos de ajustamento nada amigos do crescimento como
Draghi reclamou na sua última comunicação. E aqui não são as correlações
exploratórias de Smaghi a negá-lo.
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