Nos tempos em que nas manhãs de domingo, bem acompanhado pela Teresinha Barreiros e pela Paula Folhadela, me deslocava ao Batalha para ouvir o grande Henrique Alves Costa e assistir à sessão do Cineclube do Porto, Roman Rajmund Polański ainda era principalmente aquele realizador de origem polaca casado com a bela Sharon Tate (logo depois assassinada, em estado de gravidez, pelos Manson).
Recuperei parcialmente aquele meu handicap quando pude aceder, um pouco mais tarde, à visualização de filmes de culto como “Repulsa”, “Cul-de-Sac”, “Rosemary’s Baby” e “Chinatown”. A que adicionaria, num último quarto de século pessoalmente agitado e artisticamente controverso, a qualidade de “Frantic”, de “O Pianista” e agora (oitenta anos já completados) deste surpreendente “Vénus de Vison”.
Ouçamo-lo a propósito (excerto de uma entrevista de Francisco Ferreira em Cannes, publicada na revista “Atual” do “Expresso”): “Outra coisa de que eu gosto neste filme é que ele não está de todo relacionado com a indústria e com o que se vê hoje nos ecrãs. Estou farto destas ‘coisas’ cheias de crueldade e de ruído, com gargantas cortadas e carros a explodir. Tudo coisas, deixe-me dizer-lhe, que me excitavam muito quando eu era um jovem cineasta.”
Um filme como este só está ao alcance daqueles poucos seres que combinam uma biografia bem recheada de vida e o talento dos sobredotados. E surpreende de início a fim, quer porque só integra duas personagens (ademais fechadas no espaço quase vazio de um teatro parisiense), quer porque conta com uma presença feminina fulgurante (aliás sua mulher, Emmanuelle Seigner) e com uma presença masculina muito conseguida (Mathieu Amalric), quer porque resulta de uma peça com um tremendo potencial argumentativo, quer porque roça a perfeição no diálogo que em permanência constrói entre a ficção e a realidade, quer porque beneficia de uma encenação absolutamente extraordinária, quer porque é indescritível o encaixe da música de Alexandre Desplat.
O realizador, esse, liga-o a uma sua bem reconhecível conjunção de gostos pessoais (mulheres e homens perturbados), explicando sobre aquela Vanda: “É uma mulher que sabe o que quer. Este filme é a história de um homem enrolado por uma mulher com a facilidade com que se enrola um charro. Eu queria fazer um filme para mulheres. E ter uma que diz as coisas certas, numa linguagem divertida, sem banalidades.” Exploit, um dos grandes filmes do ano!
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