Numa noite para desfrutar, como diz o tranquilo
Paulo Bento, e em que falar de forma se aplicaria mais ao nosso prodígio da
persistência no trabalho que é Cristiano, não pode deixar-se de assinalar a
forma mental e pragmática com que António Costa se apresentou no seminário da TSF sobre a lei das Finanças Locais.
Costa move-se como peixe na água nas questões
municipais, sobretudo porque cruza e combina a sua experiência política de poder
e administração central com os ensinamentos da experiência de governação em
Lisboa.
Embora partilhando algumas dessas características
com Rui Rio, Costa tem vindo a construir de forma sistemática e regular um
discurso político a partir do poder local em meu entender de modo muito menos
acantonado do que o que Rui Rio tem conseguido (uma questão de socialização). O
seu pragmatismo e visão do potencial de aprofundamento democrático que a governação
local representa não reduzem, antes pelo contrário, potenciam um cada vez mais
sério e fundamentado pronunciamento sobre a governação do país. Essa capacidade
proporciona-lhe um discurso de alternativa política que não soa a coisa
abstrata. O cidadão comum entende que não está perante fraseologia e retórica
política, antes perante alguém que é percecionado como sabendo das coisas de
que fala, o que não é coisa pouca nos tempos que correm. Partilhando uma prática
em parte semelhante à de Jorge Sampaio, que também aprendeu muito com o exercício
da governação local, tem em relação aquele uma capacidade de concretizar um
discurso mais inteligível pelo cidadão comum.
Assim aconteceu hoje com a sua crítica à oportunidade perdida (pela atual maioria) que a nova Lei das Finanças Locais representa. Centrando-se na radical transformação que o modelo de financiamento
da atividade municipal vai experimentar com a queda natural das fontes de financiamento
tradicionais garantidas pela expansão urbana e imobiliária, Costa evidencia em simultâneo
que está consciente da mudança de modelo de crescimento que a economia
portuguesa e que está atento ao que isso pode representar na construção de um
projeto político alternativo ao da atual maioria. Mostra também que tem ideias
muito firmes sobre os mecanismos de regulação da coesão territorial e da
necessidade do Estado não se demitir na perequação entre zonas mais e menos
desenvolvidas do território nacional. O argumento é muito simples: quanto mais
a lei das Finanças Municipais potenciar que os municípios mais desenvolvidos se
financiem com uma proporção crescente de receitas próprias (daí as suas ideias
quanto ao IVA como instrumento de financiamento da atividade municipal), mais capacidade
terá o Estado de transferir fundos para os municípios com menor capacidade de dinamização
de atividade económica. Ou seja, a Lei das Finanças Locais deveria estimular os
municípios a dinamizar economicamente os territórios e obter por essa via a
fonte principal do seu financiamento.
Agrada-me esta capacidade de não marginalizar as
questões locais na construção de uma alternativa política à atual governação. A
transformação dos modelos de Poder Local deve ser parte intrínseca dessa
alternativa política. E, Seguro que me perdoe, o atual PS instituído não parece
ser capaz desse golpe de asa. Seria imperdoável que uma mera questão de timing
político (será mesmo apenas uma questão de timing?) afastasse Costa da construção
dessa alternativa.
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