domingo, 3 de novembro de 2013

DAS AGRURAS DO EURO SEGUNDO MÜNCHAU

(Benoît Coeuré)


A crónica semanal (ao domingo) de Wolfgang Mϋnchau no Financial Times é um permanente transporte para o centro do debate político europeu, do qual estamos tão afastados pela pobreza inqualificável do nosso jornalismo económico, salvaguardadas as notáveis exceções de Teresa de Sousa e Isabel Arriaga e Cunha.
A crónica de hoje não foge a essa regra. A sua leitura alerta-nos para dois momentos importantes no que se vai discutindo sobre o impasse europeu e dos seus principais líderes, impasse que não resulta apenas da prolongada negociação na Alemanha do acordo de governo entre Merkel e o SPD.
O primeiro momento é proporcionado pela publicação em França de uma obra de autoria de François Heisbourg, Presidente do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Genève, designada de O Fim do Sonho Europeu. A tese de Heisbourg acentua claramente o impasse em que o Euro e a União Europeia se encontram, falando de um círculo vicioso de cuja saída só o desmantelamento do euro poderá constituir uma espécie de terceiro ótimo. O círculo vicioso alimenta-se da impossibilidade de transferência de mais poderes para a União Europeia (já que a crise atual não é dela dissociada), embora essa transferência possa ser paradoxalmente considerada uma das vias de solução. Mϋnchau tem razão em denunciar a não captação por parte de Heisbourg dos efeitos do caos que o desmantelamento do euro por certo determinaria. Mas de qualquer modo, trata-se de um indicador agudo do ponto em que estamos, quando um estratega não coloca fora de hipótese o desmantelamento de algo que passa por ser o único cimento diferenciador do projeto europeu.
O segundo momento é dado por mais um pronunciamento de um dos raros elementos do corpo executivo do BCE que vai falando e não poucas vezes, Benoît Coeuré. Ora, este senhor saiu-se com uma de se lhe tirar o chapéu e bem mais relevante do que parece. Segundo ele, a Europa perfila-se para atravessar uma década deflacionária como o Japão o experimentou na transição da década de 90 para a de 2000. Simplesmente, como Mϋnchau bem o assinala, a ser assim a situação europeia será bem mais penosa do que a japonesa, dada a taxa de desemprego incomparavelmente mais elevada observada nas economias europeias.
Ora o que impressiona na posição do elemento do BCE é a perceção clara do problema sem que a política económica da Comissão Europeia e Conselho Europeu e a política monetária do BCE se convençam disso mesmo, ou seja que a União Europeia, para além das agruras do euro, vive uma situação de risco deflacionário sem vontade política de a combater. Por mais fantasmas que o imaginário alemão tenda a inventar a verdade é que os riscos inflacionários não passam de paranóia, ao passo que os riscos de deflação, esses sim, estão aí para serem tomados a sério.

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