(Custo unitário relativo do trabalho na Alemanha)
Nas duas últimas semanas, a macro evolução da
economia alemã tem estado sob fogo, devido sobretudo à relevância do seu
excedente da balança de transações correntes que, na conjuntura atual, é
considerado contrário aos interesses da zona euro que exigiria uma maior
capacidade de importação da economia alemã para dinamizar a procura externa dos
países em dificuldades da economia do sul.
Este argumento carece de alguma falta de rigor e
a sua descuidada utilização não favorece a conquista da opinião pública alemã para
um contributo mais ativo na recuperação dos países da União Europeias em
dificuldades.
Será sempre necessário analisar se o excedente da
balança de transações correntes é essencialmente explicado pela concretização
de excedentes comerciais com as economias do sul da Europa ou se, pelo contrário,
a economia alemã tem ganho quota de exportação em economias emergentes situadas
fora da União Europeia. Tudo indica que estarão a ocorrer os dois tipos de fenómenos.
O que tem ocorrido é que graças a uma política
que combina tecnologia e inovação com moderação salarial e, em alguns casos,
com regimes internos de baixos salários para jovens (os tão odiados em França “mini
jobs” alemães), a Alemanha tem desenvolvido um custo unitário em trabalho em
forte queda desde meados da década de 90 que tem feito disparar a
competitividade alemã e que naturalmente se tem traduzido por excedentes
comerciais (ver gráficos acima publicados no blogue de Paul Krugman).
No Mainly Macro, Simon Wren-Lewis (Universidade de Oxford) tem um excelente artigo procurando
mostrar que, com base numa taxa de inflação estável em torno dos 2% e uma taxa
de desemprego abaixo dos 5% (ambos valores previstos para 2014), dificilmente o
interesse nacional alemão teria condições de estímulo para desenvolver políticas
mais expansionistas. Porquê arriscar internamente inflações mais elevadas se o
desemprego está controlado, dirão os alemães atingidos pelo trauma inflacionário.
Esta questão evidencia bem como que é a prossecução de interesses nacionais legítimos
no conjunto da União Europeia é contraditório com a resolução do problema
global atual de prolongamento de tendências recessivas que, como vimos em post
anterior, leva altos dirigentes do BCE a sugerir que a Europa estará na antecâmara
de uma década deflacionária à japonesa.
Tal como Simon Wren-Lewis o procura demonstrar a
questão não estará em invetivar os alemães pela sua falta de solidariedade da
sua política macroeconómica. A questão está antes no facto da posição alemã
constituir o principal sustentáculo político de algumas ideias de política económica
que a Comissão Europeia acarinha e para as quais não existe fundamentação económica
segura. Wren- Lewis chama-lhe mitos para os quais a posição alemã tende a
contribuir fortemente: (i) a ideia de que a crise resulta em primeira linha da
irresponsabilidade fiscal das economias do sul que só a austeridade pode
resolver; (ii) a negação do papel da gestão da procura interna e global na
abordagem à crise; (iii) a recusa irredutível da mutualização da dívida e do
papel do BCE como emprestador de última instância.
Três questões para as quais existe pensamento
económico sólido e suficiente para demonstrar que tais ideias não são consistentes,
ou seja, que não passam de mitos. Mas o problema pode também decorrer da falta
de poder de convencimento desse pensamento económico alternativo junto dos
decisores alemães e seus aliados. Até porque com o descalabro da governação
Hollande, acossado nas contradições internas do seu governo, do PS francês e do
seu programa, não parece haver no Conselho Europeu força e bloco de ideias para
contrariar o muro alemão (já não há sinais de aproximações ténues entre França,
Itália e Espanha), já não o velho muro de Berlim, hoje transformado em souvenir de fraca qualidade, mas o muro
constituído por aqueles mitos. Mas se são mitos como explicar a sua transformação
em muros?
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