terça-feira, 5 de novembro de 2013

MUROS E MITOS: A ALEMANHA DE NOVO

(Custo unitário relativo do trabalho na Alemanha)


Nas duas últimas semanas, a macro evolução da economia alemã tem estado sob fogo, devido sobretudo à relevância do seu excedente da balança de transações correntes que, na conjuntura atual, é considerado contrário aos interesses da zona euro que exigiria uma maior capacidade de importação da economia alemã para dinamizar a procura externa dos países em dificuldades da economia do sul.
 Este argumento carece de alguma falta de rigor e a sua descuidada utilização não favorece a conquista da opinião pública alemã para um contributo mais ativo na recuperação dos países da União Europeias em dificuldades.
Será sempre necessário analisar se o excedente da balança de transações correntes é essencialmente explicado pela concretização de excedentes comerciais com as economias do sul da Europa ou se, pelo contrário, a economia alemã tem ganho quota de exportação em economias emergentes situadas fora da União Europeia. Tudo indica que estarão a ocorrer os dois tipos de fenómenos.

 O que tem ocorrido é que graças a uma política que combina tecnologia e inovação com moderação salarial e, em alguns casos, com regimes internos de baixos salários para jovens (os tão odiados em França “mini jobs” alemães), a Alemanha tem desenvolvido um custo unitário em trabalho em forte queda desde meados da década de 90 que tem feito disparar a competitividade alemã e que naturalmente se tem traduzido por excedentes comerciais (ver gráficos acima publicados no blogue de Paul Krugman).
No Mainly Macro, Simon Wren-Lewis (Universidade de Oxford) tem um excelente artigo procurando mostrar que, com base numa taxa de inflação estável em torno dos 2% e uma taxa de desemprego abaixo dos 5% (ambos valores previstos para 2014), dificilmente o interesse nacional alemão teria condições de estímulo para desenvolver políticas mais expansionistas. Porquê arriscar internamente inflações mais elevadas se o desemprego está controlado, dirão os alemães atingidos pelo trauma inflacionário. Esta questão evidencia bem como que é a prossecução de interesses nacionais legítimos no conjunto da União Europeia é contraditório com a resolução do problema global atual de prolongamento de tendências recessivas que, como vimos em post anterior, leva altos dirigentes do BCE a sugerir que a Europa estará na antecâmara de uma década deflacionária à japonesa.
Tal como Simon Wren-Lewis o procura demonstrar a questão não estará em invetivar os alemães pela sua falta de solidariedade da sua política macroeconómica. A questão está antes no facto da posição alemã constituir o principal sustentáculo político de algumas ideias de política económica que a Comissão Europeia acarinha e para as quais não existe fundamentação económica segura. Wren- Lewis chama-lhe mitos para os quais a posição alemã tende a contribuir fortemente: (i) a ideia de que a crise resulta em primeira linha da irresponsabilidade fiscal das economias do sul que só a austeridade pode resolver; (ii) a negação do papel da gestão da procura interna e global na abordagem à crise; (iii) a recusa irredutível da mutualização da dívida e do papel do BCE como emprestador de última instância.
Três questões para as quais existe pensamento económico sólido e suficiente para demonstrar que tais ideias não são consistentes, ou seja, que não passam de mitos. Mas o problema pode também decorrer da falta de poder de convencimento desse pensamento económico alternativo junto dos decisores alemães e seus aliados. Até porque com o descalabro da governação Hollande, acossado nas contradições internas do seu governo, do PS francês e do seu programa, não parece haver no Conselho Europeu força e bloco de ideias para contrariar o muro alemão (já não há sinais de aproximações ténues entre França, Itália e Espanha), já não o velho muro de Berlim, hoje transformado em souvenir de fraca qualidade, mas o muro constituído por aqueles mitos. Mas se são mitos como explicar a sua transformação em muros?

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