quinta-feira, 21 de novembro de 2013

NÁUSEA E VÓMITO


Na sessão desta semana do Parlamento Europeu, foi aprovado o Quadro Financeiro Plurianual para o período 2014-2020 e, nesse âmbito, adotado o palavrão da “macro-condicionalidade”. Trata-se, sem mais, de uma boa notícia – embora possa haver quem legitimamente se interrogue sobre até que ponto assim será –, mas essa boa notícia de que virão aí mais alguns milhões em fundos estruturais não basta para disfarçar a má notícia que todo o processo comunitário em torno deste assunto veio por a nu de forma cristalina e chocante: a de que, como alguém me dizia, “a Europa e a política estão cheias de perversões, são um sistema”.

Explico-me sem quaisquer rodriguinhos ou subterfúgios, leia-se à bruta ou dispensando os sempre amaciadores considerandos. Ponto um: a longa e difícil negociação para revisão do Pacto de Estabilidade pelas diversas instituições comunitárias (o chamado Six Pack) deu lugar à definição de sanções aos países incumpridores em termos de défice e/ou dívida, podendo as mesmas ascender ao montante de 1% do PIB. Ponto dois: por iniciativa da Comissão Barroso, seguramente para Merkel ver, a apresentação da proposta daquele Quadro Financeiro é acompanhada da peregrina ideia de se legislar no sentido de uma eventual violação das metas de défice e dívida por parte de um determinado país dever traduzir-se pela possibilidade de lhe serem cortados ou suspensos os fundos estruturais já contratualizados – ou seja, de uma nova e duplicada sanção relativamente à primeira e a propósito de uma matéria alheia ao problema e que é necessariamente central à lógica integracionista há décadas em vigor. Ponto três: após inúmeras e variadas pressões dos alemães e seus satélites, esta ideia teve acolhimento unânime no Conselho, o que significa que o Governo português a deixou aprovar sem dar por ela ou lhe deu o seu consentimento (!!!). Ponto quatro: quando o assunto baixa ao Parlamento Europeu, e enquanto o PPE dominante cumpre zelosamente as ordens superiores, o PSE divide-se e acaba por votar meio por meio – com as razões de adesão às posições alemãs e da direita a repartirem-se entre os que ainda não se conseguiram afastar daquela já estafada colagem dos periféricos à preguiça e ao desmazelo e os que foram mais sensíveis ao preço a pagar pelo negócio em curso na Alemanha entre o SPD e a CDU para que Schulz, o camarada, possa vir a ser o próximo presidente da Comissão Europeia.

Concluo com dois sublinhados feitos de cinismo e covardia – os governos dos países periféricos (português incluído) vacilaram perante o seu estado de necessidade e cederam objetivamente à chantagem dos poderes dominantes representados pelos “países amigos”; a prática da social-democracia europeia dos nossos dias está bem à vista naquele favorecimento dos superiores interesses nacionais e/ou pessoais face ao internacionalismo e europeísmo que tanto proclama –, um resumo - a ambição de um pobre homem, o servilismo ou o quixotismo de um grupo, a estratégia de uma "Europa alemã" de A a Z a ser tecida pelas mãos de uma mulher - e uma questão, esta à exclusiva atenção dos mais coscuvilheiros: como terão votado os nossos 22 eurodeputados, com que fundamentos e com que coerência face ao que por cá vão dizendo que por lá fazem?

(Rafael Ricoy, http://elpais.com

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