sexta-feira, 29 de novembro de 2013

TRÊS CAPITAIS PERIFÉRICAS E OS MERCADOS DELAS


Um programa cautelar ou um novo resgate? Esta é uma questão de que se ocupam diariamente os nossos queridos comentadores, na maioria dos casos sem saberem ao certo do que estão a falar. Enquanto isso, e na esfera política, o Governo enuncia o seu descoberto patriotismo, traduzido numa declarada vontade de nos livrar da maldita Troika que tanto chegou a amar, e a Oposição baralha e torna a dar as suas repetitivas cartas (entre “o é tudo a mesma coisa”, o “Deus queira que não venha aí uma assistência financeira ainda mais gravosa” e o “talvez aceitemos um programa cautelar se a condicionalidade for razoável”). 

Mas a verdade é que os contornos essenciais estavam já bem esparramados na intervenção que o Governador do Banco de Portugal fez na SEDES, em março passado. A ela me referi, à época, num post que justamente intitulei “A austeridade da inteligência” mas cujo comprimento de onda era outro mais conforme à conjuntura de então. Hoje, relidas à luz dos desenvolvimentos entretanto verificados e das estratégias políticas entretanto definidas, as palavras de Carlos Costa têm de ser encaradas como eminentemente pedagógicas e precavidamente preparatórias (alçapões incluídos). 

Primeiro, na clarificação dos encadeamentos temporais: “No período inicial, transitório, que começará em junho de 2014, teremos de continuar a fazer o caminho do ajustamento, mas ainda num contexto de transição para o financiamento pleno nos mercados financeiros. O período seguinte corresponderá a uma situação normal de acesso aos mercados.” 

Depois, no caráter precursor da ideia de um Programa Cautelar: “A credibilidade das nossas políticas macroeconómicas e do nosso ajustamento deverá ser reforçada pela operacionalização dos mecanismos europeus de intervenção no mercado da dívida pública, o que pressupõe, como contrapartida, a adopção de um Programa Cautelar. Um Programa Cautelar é um programa de acompanhamento das políticas e da evolução económica de um país que apresenta algumas vulnerabilidades. Não é um programa de assistência financeira. Pode ser visto como um mecanismo de seguro, com uma linha de crédito de reserva associada, que pode ser utilizada para superar perturbações temporárias no financiamento de mercado, associadas, nomeadamente a efeitos de contágio resultantes de acontecimentos externos à economia portuguesa. Para um país como Portugal, que sai de um Programa de Assistência Financeira, um Programa Cautelar funciona como um instrumento de reforço da credibilidade do processo de ajustamento macroeconómico no período imediatamente a seguir ao final do Programa.” 

Por fim, na referência às condições de acesso: “A condicionalidade que lhe está associada é a contrapartida da solidariedade dos nossos parceiros europeus e contribui para consolidar a confiança dos mercados nas políticas económicas do país. No caso de Portugal, a condicionalidade do Programa Cautelar deve corresponder à que decorre do cumprimento do Pacto Orçamental – o qual inclui, em particular, a regra de equilíbrio do saldo orçamental estrutural e a regra de redução da divida pública - mas com uma vigilância reforçada. Seria uma espécie de “Pacto Orçamental Reforçado” (Enhanced Fiscal Compact).” 

Muita água passou entretanto debaixo da nossa triste ponte. Mas a hipótese que tendo a privilegiar vai no sentido de que a nossa estratégia pós-Troika sofreu o seu primeiro grande rombo com a chamada “crise Portas”, foi nos últimos meses levando vários tiros de várias origens (incluindo amigas, FMI e Comissão Europeia à cabeça) e sucumbiu às mãos dos celtas que alguns julgavam nos serviriam de “lebre”. 

De facto, premiados pela estratégia de um Governo irlandês que parece efetivamente capaz de exercer a governação e beneficiados por uma estrutura económica dotada de maior robustez, os irlandeses reconquistaram credibilidade e optaram por renunciar a qualquer muleta cautelar, propondo-se partir para os mercados sem rede em meados de dezembro. Não sem deixarem algumas farpas dirigidas à confiança que esta Europa lhes não merece e à incerteza fundamental por que se salda a abordagem comunitária deste tipo de processos – ouçamos Michael Noonan, o ministro das Finanças: “Diziam-nos sempre [os parceiros europeus e os responsáveis da Troika], 'olhem, decidam como decidirem, apoiar-vos-emos na mesma, porque pensamos que a Irlanda está a fazer tudo bem e que vocês estão numa boa posição'; mas “eu tinha este medo de poder acabar em Bruxelas, às três da manhã, lá para dezembro, com um caso de sucesso a ser transformado numa espécie de crise irlandesa, porque alguns países teriam que fazer passar a decisão nos seus parlamentos nacionais”; até porque “quase todos [os países] teriam que fazê-lo passar [ao programa cautelar] pelos respetivos parlamentos, haveria debates parlamentares nos países e quase toda a Europa é governada por coligações de um tipo ou de outro” e “era muito difícil avaliar que condições poderiam ser acrescentadas a um pedido [de ativação do programa] à medida que fosse processado pelos diferentes parlamentos”.


(Stephen Byrne, http://www.independent.ie)

Por cá, e com a petulância do (es)forçado encosto celta a assim perecer perante os desígnios do Governo irlandês, os nossos galhardos rapazolas (sem qualquer desprimor para a senhora Albuquerque) refugiam-se num piedoso “enquanto há vida há esperança” e insistem no estafado disco da necessidade de um respeitoso cumprimento do que nos vão exigindo uns estrangeirados que confundem pessoas com números e as sociedades com sistemas de equações. 

E assim vai crescendo para Portugal a probabilidade de um acrescido mimetismo em relação ao exemplo grego, cujo martírio parece cada vez mais uma antecipação do que nos espera ao virar da esquina dos próximos seis meses. Nada que alguns analistas internacionais já não estejam a prever – veja-se o caso de um recente research da Merrill Lynch, esquematicamente sintetizado na imagem de abertura deste post (a adaptação é do “Sol”), em que se atribui uma percentagem de 60% à eventualidade de um “novo programa” (ou segundo resgate) contra 39% para um programa cautelar e 1% para que Lisboa pudesse vislumbrar uma via equivalente de Dublin (como tanto jurava Portas). Nós não somos o quê?


(Adam Zyglis, http://www.cagle.com

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