A entrevista de Nuno Portas ao Jornal i é,
simultaneamente, um documento comovente e um repositório relevante para a história
recente portuguesa, designadamente da esquerda e sobretudo da esquerda não
alinhada com o PCP.
A natureza comovente da entrevista é
proporcionada sobretudo pelo vazio afetivo que a morte de Miguel Portas terá
deixado no pai Portas. Afinal, para além das relações de família a ela
circunscritas e com a qual nós seres exteriores não temos nada que ver, entre o
filho Miguel e o pai Nuno havia uma ponte ideológica que servia duas
personalidades abertas e propensas ao debate das ideias, sem certezas, mas com
uma obstinada procura de soluções, em domínios disciplinares diversos. Não é
por acaso que pai Portas desabafa que: “Recordo com saudade a possibilidade de falar com ele.
Era bom falar com ele sobre as minhas dúvidas e problemas. Ele ajudava-me a
pensar. Depois da morte dele, a política interessa-me menos”. Profundo
e comovente. A entrevista proporciona ainda alguns elementos interessantes de
socialização, tais como o facto de Miguel ter estudado em liceu público e Paulo
o ter feito no Colégio S. João de Brito (sugestivo não é?).
Como documento político, a entrevista tem uma
preciosidade. Ela prende-se com o relato que Nuno Portas faz da sua gorada
tentativa de integrar as hostes do MES (há tanto tempo!) vindo da corrente dos
católicos progressistas, mas também com as informações fornecidas por Portas
sobre a sua experiência no LNEC em pleno regime salazarista.
A preciosidade da entrada no PS após a recusada
tentativa de integração no MÊS vale a pena citar integralmente: “Não pude entrar
no MES porque eu estava num governo burguês, fui secretário de Estado de um
governo provisório. Um tipo que agora é um reputado
homem de negócios ficou incumbido de me dizer isso. Na altura confessou-me,
meio enrascado: "A gente gosta muito do que tu estás a fazer no governo, é
muito importante, mas tomamos como critério que os membros dos governos
provisórios, devido às suas características de colaboração com a burguesia, não
podem ser militantes do MES." Tempos depois, eu e o meu grupo negociámos
com o Mário Soares a entrada de todos, em pacote. Foi assim que fui para o PS”.
Com a ajuda de alguns amigos e da biografia de Jorge
Sampaio, a charada do “reputado homem de negócios” foi resolvida. Nada mais,
nada menos do que o meu concorrente na consultadoria Augusto Mateus. Quem os
viu e quem os vê!
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