quarta-feira, 20 de novembro de 2013

MEMÓRIAS PARA A HISTÓRIA RECENTE



A entrevista de Nuno Portas ao Jornal i é, simultaneamente, um documento comovente e um repositório relevante para a história recente portuguesa, designadamente da esquerda e sobretudo da esquerda não alinhada com o PCP.
A natureza comovente da entrevista é proporcionada sobretudo pelo vazio afetivo que a morte de Miguel Portas terá deixado no pai Portas. Afinal, para além das relações de família a ela circunscritas e com a qual nós seres exteriores não temos nada que ver, entre o filho Miguel e o pai Nuno havia uma ponte ideológica que servia duas personalidades abertas e propensas ao debate das ideias, sem certezas, mas com uma obstinada procura de soluções, em domínios disciplinares diversos. Não é por acaso que pai Portas desabafa que: “Recordo com saudade a possibilidade de falar com ele. Era bom falar com ele sobre as minhas dúvidas e problemas. Ele ajudava-me a pensar. Depois da morte dele, a política interessa-me menos”. Profundo e comovente. A entrevista proporciona ainda alguns elementos interessantes de socialização, tais como o facto de Miguel ter estudado em liceu público e Paulo o ter feito no Colégio S. João de Brito (sugestivo não é?).
Como documento político, a entrevista tem uma preciosidade. Ela prende-se com o relato que Nuno Portas faz da sua gorada tentativa de integrar as hostes do MES (há tanto tempo!) vindo da corrente dos católicos progressistas, mas também com as informações fornecidas por Portas sobre a sua experiência no LNEC em pleno regime salazarista.
A preciosidade da entrada no PS após a recusada tentativa de integração no MÊS vale a pena citar integralmente: “Não pude entrar no MES porque eu estava num governo burguês, fui secretário de Estado de um governo provisório. Um tipo que agora é um reputado homem de negócios ficou incumbido de me dizer isso. Na altura confessou-me, meio enrascado: "A gente gosta muito do que tu estás a fazer no governo, é muito importante, mas tomamos como critério que os membros dos governos provisórios, devido às suas características de colaboração com a burguesia, não podem ser militantes do MES." Tempos depois, eu e o meu grupo negociámos com o Mário Soares a entrada de todos, em pacote. Foi assim que fui para o PS”.
Com a ajuda de alguns amigos e da biografia de Jorge Sampaio, a charada do “reputado homem de negócios” foi resolvida. Nada mais, nada menos do que o meu concorrente na consultadoria Augusto Mateus. Quem os viu e quem os vê!

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