segunda-feira, 29 de abril de 2013

AINDA REINHART E ROGOFF



Há que reconhecer que o debate sobre a relação entre dívida pública e crescimento económico abanou decisivamente a profissão e a blogosfera económica, sobretudo na sequência do artigo crítico do trabalho de 2010 de Reinhart e Rogoff que Herndon, Ash e Pollin publicaram nos Working Papers da Universidade de Massachussets – Amherst. Não me admiraria que Herndon tivesse as suas propinas de estudante de doutoramento presenteadas pela Universidade, tamanha foi a visibilidade que ela assumiu na sequência desse debate.
E o que impressiona é que quando se fala em debate é de verdadeiro debate que se trata com a comunidade académica e os jornais de grande tiragem como o New York Times ou mesmo o Wall Street Journal a acolherem nas suas páginas as ondas de choque e as réplicas da controvérsia.
Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff responderam a 25 de abril no New York Times a alguns aspetos menos abonatórios da sua integridade que o debate acabou por gerar e o jornal concede-lhes a permissão dupla de um artigo de resposta mais curto e um outro texto mais de natureza metodológica, o que ilustra bem a amplitude que a controvérsia acabou por assumir.
Alguns aspetos na resposta de Reinhart e Rogoff que merecem destaque, pois vêm na linha de algumas reflexões produzidas neste blogue.
Invocando agora um artigo de 2012 publicado no Journal of Economic Perspectives, Reinhart e Rogoff defendem-se com o facto de neste novo artigo os seus cálculos não divergirem substancialmente dos de Herndon e companhia, mantendo a sua confiança no limiar dos 90% como algo que muda consideravelmente as relações entre dívida pública e crescimento económico.
Mas o que em meu entender é mais marcante na defesa de Reinhart e Rogoff é a sua afirmação explícita que nunca insinuaram que a relação de causalidade fosse apenas a da dívida pública elevada penalizar o crescimento, antes consideraram sempre que a causalidade opera nos dois sentidos e que “não há qualquer regra que se aplique em todos os tempos e em todos os lugares”, sendo por isso possível admitir que uma situação estrutural de baixo crescimento pode induzir um crescimento anómalo do peso da dívida pública.
Mas mais marcante ainda é a distanciação que os autores reafirmam relativamente ao vício de utilização dos resultados do seu artigo de 2010 e da sua investigação em geral para justificar as políticas de austeridade que estão a ser praticadas nas economias do sul: “A discussão marcadamente política, especialmente viva na última semana, equacionou erradamente a nossa descoberta de uma relação negativa entre dívida e crescimento como uma justificação irrepreensível da austeridade”. E no artigo mais curto os autores retomam a ideia já avançada por Rogoff ao Expresso de que em sua opinião se justificariam reestruturações das dívidas das economias da Europa do Sul que poderiam envolver perdões parciais das dívidas soberanas nesses países. Há que convir que não é coisa pouca.
Aliás, sempre achei que a crítica dos determinismos associados à pesquisa de Reinhart e Rogoff não poderia ser entendida como uma espécie de convite a uma gestão mais laxista da dívida numa perspetiva atemporal. A questão tem sempre que ser vista no quadro da situação globalmente recessiva a que um entendimento cego da consolidação orçamental pode conduzir um espaço económico como o da União Europeia, com sérios reflexos na capacidade de solvência internacional dos países devedores, o que seria depositar instabilidade em cima de instabilidade.
A questão mais importante que a controvérsia suscita é a de discutir as condições que transformam uma pesquisa económica em bandeira pretensamente racionalizadora de políticas carenciadas de fundamentação para justificar a penosidade que implicam, mesmo “aparentemente” contra a vontade dos seus autores. Ou seja, perceber por que razão os autores da pesquisa permitem que os seus resultados sejam apropriados por decisores carentes de cobertura “científica” que não hesitam em interpretar incorretamente a sua transferibilidade. Imaginar que um economista, do mais rigoroso intelectualmente que possamos ambicionar, tem necessariamente que abster-se de discutir as implicações políticas dos seus resultados é uma conceção peregrina. Basta ler o desenvolvimento de toda a obra de Keynes para perceber que rigor teórico e intervenção política podem coexistir sem danos colaterais para o rigor e para a nobreza da intervenção. Por isso, gostaria que Reinhart e Rogoff tivessem assumido mais frontalmente a denúncia da extrapolação indevida dos seus resultados antes da controvérsia ter estalado. Não é bem a mesma coisa.

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