Conheci Vítor Bento (VB) pelos seus escritos, antes de conhecer (ainda assim mal) a pessoa. Um cidadão ativo, um homem culto, um economista preparado, um gestor rigoroso. E também, o que é bem menos do meu agrado, uma espécie de “cavaquista acidental”.
Ainda hoje guardo alguns dos seus artigos e entrevistas que mais me desafiaram ao longo dos anos e também li entretanto os seus livros mais focados, os três anteriores – “Os Estados Nacionais e a Economia Global” (2004), “Perceber a Crise para Encontrar o Caminho” (2009) e “O Nó Cego da Economia” (2010) – e agora o quarto (capa acima) que justifica este post.
Esta obra mais recente é, uma vez mais, muito boa. Mesmo para quem possa partir para ela à espera de encontrar algo mais aplicado à difícil realidade portuguesa atual e às saídas que assim se nos possam abrir. Porque não é esse o objeto definido por VB, antes sim o de analisar em profundidade a presente crise da Zona Euro. No que começa judiciosamente, ao sustentar que “as contradições intrínsecas à genética do euro manifestam-se através de efeitos económicos – e, por isso, tendem a confundir-se com ‘meros’ problemas económicos –, mas a sua origem é cultural e institucional” e que “essas contradições resultam do convívio, num mesmo regime monetário, de diferentes culturas, que ordenam diferentemente as preferências sociais”.
No capítulo final, em que se centra sobre a análise da crise e dos caminhos do ajustamento em curso, VB não deixa de recorrer à investigação dos agora mediaticamente célebres Reinhardt e Rogoff para enfatizar a difícil “compatibilização entre sustentabilidade da dívida e crescimento” em todos os países do grupo que designa por “greco-latino” (“euro fraco”) e a consequente possibilidade de os mesmos “ficarem presos numa armadilha de prolongado empobrecimento relativo”. Em relação ao primeiro termo da equação (sustentabilidade das dívidas), salienta que “a experiência histórica mostra que as sequelas de uma crise financeira (…) muito dificilmente se resolvem sem uma qualquer forma de alívio do valor real das dívidas e dos seus encargos” e defende que “só muito dificilmente será encontrada uma solução para as dívidas dos países do ‘euro fraco’, e para o seu regresso ao crescimento económico sustentado, sem um alívio do serviço dessas dívidas”. Quanto ao segundo termo (crescimento), sublinha que o ajustamento económico até aqui realizado pelos países do grupo ‘euro fraco’ se materializou sobretudo em alcançar o equilíbrio externo (“contenção do endividamento externo”) e que as respetivas economias se encontram ainda longe do equilíbrio interno.
Mas tais diagnósticos acabam por não ter o devido contraponto numa lógica mais prospetiva. Sabem realmente a pouco referências como as de que “para uma eventual mutualização de dívidas venha a ser politicamente aceitável da parte do ‘núcleo duro’, será necessário que previamente se uniformizem, dentro da zona euro, os benefícios do chamado modelo social”, de que um mecanismo de apoio financeiro “seria uma etapa muito mais eficiente do que a pressa no ‘regresso aos mercados’ dos países intervencionados”, de que se torna necessário “que as medidas contracionistas que estes países têm que pôr em prática sejam contrabalançadas por medidas expansionistas nos países do ‘núcleo duro’, com espaço financeiro para o fazer” ou de que “se a união política não é, por si, resposta para o problema – tal como também não o é a união fiscal –, já a ‘federalização’ de várias funções, hoje ‘descentralizadas’ nos estados nacionais, é fundamental para uma resposta adequada”.
Antes de concluir, um pequeno parêntesis sobre dois interessantes elementos apresentados por VB:
· A comparação entre dois ajustamentos portugueses, o de 1983/84 e o de 2008/12 (primeiro quadro abaixo), permitindo evidenciar a necessidade atual de um sobre-ajustamento da economia por indisponibilidade de um instrumento de desvalorização da taxa de câmbio nominal com reflexos mais positivos em termos de abaixamento dos custos unitários do trabalho (CUTs), crescimento das exportações (compensatório da contração da procura interna) e impacto recessivo e no emprego.
· A comparação entre os ajustamentos em curso em 5 países europeus periféricos (segundo quadro abaixo), merecendo especial destaque a diferença de ritmos de ajustamento dos CUTs e a sua correlação com os ritmos de crescimento das exportações.
Tudo visto e ponderado, este trabalho de VB fica como um inquestionável contributo para uma melhor compreensão da moeda única europeu, dos seus equívocos aos mecanismos subjacentes à sua crise, das condicionantes ideológicas que a envolvem às marcantes desorientações dos agentes políticos na sua gestão, da sua natureza sistémica à fratura norte-sul que provocou. E a mais não aspirou…
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