No rescaldo de uma inqualificável mensagem ao país do
primeiro-ministro, tinha um princípio de noite marcado pela televisão
(comentador Marcelo, regresso do tenso e justiceiro Sócrates ou acompanhar o
glorioso por terras de Olhão) ou então procurava uma alternativa menos tensa. Foi
o que fiz e não me arrependi: Cristina Branco na Casa da Música.
Há aqui um conflito de interesses. Embora nunca a tivesse
visto ao vivo, sou um admiador incondicional da Cristina Branco, mesmo que todos
saibamos que a Tia Bia (Beatriz Conceição) não morra de amores pelo estilo, uma
espécie de fusão do fado com linguagens estéticas mais modernas.
O novo disco “Alegria” já me tinha impressionado e ao
vivo a mensagem é mais explícita e direta. Só alguém com muita estaleca
consegue aguentar e protagonizar em si própria a sensibilidade de Fausto, Sérgio
Godinho, Jorge Palma, Alain Oulman, Chico Buarque, Beaudelaire, Manuela de Freitas, Gonçalo M. Tavares, Manuel Alegre, Joni
Mitchel, colocando a sua voz (e que voz) e sobriedade de presença no palco ao
serviço de mensagens simultaneamente tão diversas e tão profundas. E ainda
tivemos Beatriz Batarda dizendo o poema do disco sobre a trágica dependência de
um desempregado, na tribuna atrás do palco.
A obra de Cristina Branco mostra que o país apesar de
todos os constrangimentos e farsolas se vai transformando, não renegando memórias,
mas ousando transgredi-las, combinando-as com outras inspirações. É bom ter e
ouvir gente que não se refugia no passado e que ousa resistir reinventando as
suas memórias. Pelo menos ganhei energia para, já em casa, explorar a box do cabo,
revisitar os comentadores e recuperar os golos do Sálvio e do Matic.
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