Ontem, quando viajava no Alfa de Lisboa para o
Porto e se aguardava o pronunciamento dos homens e mulheres de toga preta, o
Tribunal Constitucional, pensava eu com os meus botões que, aposentado da
universidade, poderia ver melhorado o meu rendimento disponível no âmbito de
alguns dos cenários de decisão que se anunciavam entre os analistas. Não
suspeitava que teríamos uma noite tão intensa, densa de significado, de que a
imagem dos homens e mulheres de preto constitui uma excelente ilustração. Quanto à questão mais prosaica parece
que recuperei apenas 90% do subsídio de férias, já que a esperada anulação da
contribuição extraordinária de solidariedade exigida às pensões foi afinal
declarada constitucional. De mal o menos, mas isso não é de facto o mais
importante. A noite foi tensa e agitada e, não sei se por café a mais ou pela
própria tensão da decisão do Tribunal, a verdade é que não dormi bem como é
usual.
O ruído que se produziu sobre a decisão em toda a
noite de debate político foi insuportável. A televisão tal como está produz
mais ruído do que esclarecimento e imagino a perturbação de um cidadão médio a
ser bombardeado com todo aquele ruído. É verdade que não é por acaso que tais
discussões acontecem em canais de cabo, reduzindo brutalmente a sua audiência,
mas mesmo assim o ruído chega a ser insuportável. Tudo porque era humanamente
impossível (mesmo ao comentador Marcelo que terá tempo até amanhã para o fazer)
ler um denso acórdão que, no PDF que extraí do site do Tribunal Constitucional,
tem a módica extensão de 181 páginas, de leitura nada fácil. O que significa que
toda aquela gente que se foi pronunciando ao longo da noite na putativa figura
de especialista não o foi na prática, pois os reais argumentos do Tribunal
Constitucional não podiam de modo algum estar presentes na discussão já que
ninguém humanamente os poderia ter conhecido em toda a extensão da leitura. Pela
primeira leitura que realizei o documento merece análise profunda, pois
constitui um referencial incontornável para se analisar as margens de manobra
do ajustamento orçamental dos próximos tempos. E valerá por isso a pena voltar
neste blogue ao assunto. É sobretudo muito interessante contrapor a argumentação
do Tribunal para fundamentar a inconstitucionalidade da retirada de 90% do subsídio
de férias aos funcionários e pensionistas públicos e a constitucionalidade da
contribuição extraordinária de solidariedade sobre as pensões acima de 1.350
euros.
Mas o que fica também da noite tensa e agitada é
a revelação da mais perfeita e acabada impreparação da governação atual. Ricardo
Costa escreve hoje no Expresso que o governo deveria substituir e já os seus
conselheiros constitucionais. Virão eles de que universidade? A patética declaração
de Teresa Leal Coelho é emblemática da decomposição (e não apenas anímica) que
grassa pelas hostes sobretudo do PSD. Mas não apenas por essas hostes. O tão
equilibrado Paulo Trigo Pereira era a imagem ontem no Expresso da Meia Noite do
intelectual orgânico perdido e desorientado.
O dia de hoje permitirá alguma reflexão adicional
e o Conselho de Ministros extraordinário das 15 horas exige atenção.
Por agora e com o acórdão do TC já no IPad, o
tempo está para apanhar algum sol, passar de boga a mamífero e acumular algum já
que o domingo se avizinha de novo a exigir guelras e barbatanas.
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