Tal como referi em post anterior, o acórdão do Tribunal Constitucional tem aspetos que
vale a pena divulgar e discutir, sobretudo porque não estão em causa normas
constitucionais específicas, mas antes princípios como os da igualdade,
proporcionalidade, necessidade, confiança e propriedade, cruciais para balizar
as relações entre o conteúdo político da governação e o respeito pela
Constituição.
É por isso que a consagração da constitucionalidade
da contribuição extraordinária de solidariedade que incidiu sobre as pensões,
que constituiu a maior surpresa da decisão na medida em que praticamente todos,
exceto o governo, a consideravam inconstitucional, é talvez a mais desafiante
do ponto de vista da referida discussão.
A argumentação do TC estrutura-se essencialmente
em função de duas dimensões.
Por um lado, sublinha-se que a referida
contribuição extraordinária de solidariedade representa algo de consignado à
segurança social, pública e privada: “Isso porque a
contribuição para a segurança social prevista no artigo 78º da Lei do Orçamento
do Estado apresenta diversos traços diferenciadores da conceção tributária
estrita dos impostos, quer quanto aos objetivos, quer quanto à estrutura
jurídica. É uma receita consignada, na medida em que se destina a satisfazer,
de modo imediato, as necessidades específicas do subsistema contributivo da
segurança social, distinguindo-se por isso dos impostos, que têm como finalidade
imediata e genérica a obtenção de receitas para o Estado, em vista a uma
afetação geral e indiscriminada à satisfação de encargos públicos”.
Na mesma linha, “incidindo sobre titulares de
complementos de reforma e de pensões com um regime especial, corresponde a uma
forma de financiamento que é assegurada pelos beneficiários ativos de
prestações. Podendo descortinar-se na sua própria condição de pensionistas o
fundamento material bastante para, numa situação de exceção, serem chamados a
contribuir para o financiamento do sistema, o que afasta, à partida, o caráter
arbitrário da medida”.
Por outro lado, o TC invoca a excecionalidade da
medida, pedindo-se aos beneficiários (acima de um dado limiar) o seu contributo
para a minimização dos problemas de sustentabilidade da segurança social que o
agravamento da situação económica e financeira do país (menos gente a contribuir
e mais gente a beneficiar da proteção social necessária) veio provocar: “é patente que a incidência de um tributo parafiscal
sobre o universo de pensionistas como meio de reduzir excecional e
temporariamente a despesa no pagamento de pensões e obter um financiamento suplementar
do sistema de segurança social é uma medida adequada aos fins que o legislador
se propôs realizar”, partindo do princípio de que “perante a conjugação de uma diminuição das receitas
do sistema de segurança social, face ao forte aumento do desemprego, redução
dos salários e às novas tendências migratórias, com um aumento das despesas com
o apoio ao desemprego e às situações de pobreza, e à consequente necessidade do
Estado subsidiar o sistema de segurança social, agravando desse modo o défice
público, o legislador, a título excecional e numa situação de emergência, optou
por estender aos pensionistas o pagamento de contribuições do sistema de
segurança social do qual são direta ou indiretamente beneficiários, apenas
durante o presente ano orçamental”.
Assim, embora o TC sublinhe o caráter excecional
e de situação de emergência em que a medida é aplicada, se projetarmos uma
situação de instabilidade continuada e de forte ameaça à sustentabilidade do
sistema de segurança social, não será que a decisão do TC abre caminho a uma
espécie de contribuição “extraordinária” de solidariedade a vigorar enquanto a
situação de emergência perdurar e enquanto as ameaças à sustentabilidade
persistirem?
Professor vou partilhar. Pois acho a sua explicação pertinente e assertiva, tanto que não a vi em nenhum orgão de comunicação, nem nenhum constitucionalista a explicá-lo. Obrigada. Alda
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