sábado, 6 de abril de 2013

AINDA O ACORDÃO



Tal como referi em post anterior, o acórdão do Tribunal Constitucional tem aspetos que vale a pena divulgar e discutir, sobretudo porque não estão em causa normas constitucionais específicas, mas antes princípios como os da igualdade, proporcionalidade, necessidade, confiança e propriedade, cruciais para balizar as relações entre o conteúdo político da governação e o respeito pela Constituição.
É por isso que a consagração da constitucionalidade da contribuição extraordinária de solidariedade que incidiu sobre as pensões, que constituiu a maior surpresa da decisão na medida em que praticamente todos, exceto o governo, a consideravam inconstitucional, é talvez a mais desafiante do ponto de vista da referida discussão.
A argumentação do TC estrutura-se essencialmente em função de duas dimensões.
Por um lado, sublinha-se que a referida contribuição extraordinária de solidariedade representa algo de consignado à segurança social, pública e privada: “Isso porque a contribuição para a segurança social prevista no artigo 78º da Lei do Orçamento do Estado apresenta diversos traços diferenciadores da conceção tributária estrita dos impostos, quer quanto aos objetivos, quer quanto à estrutura jurídica. É uma receita consignada, na medida em que se destina a satisfazer, de modo imediato, as necessidades específicas do subsistema contributivo da segurança social, distinguindo-se por isso dos impostos, que têm como finalidade imediata e genérica a obtenção de receitas para o Estado, em vista a uma afetação geral e indiscriminada à satisfação de encargos públicos”. Na mesma linha, “incidindo sobre titulares de complementos de reforma e de pensões com um regime especial, corresponde a uma forma de financiamento que é assegurada pelos beneficiários ativos de prestações. Podendo descortinar-se na sua própria condição de pensionistas o fundamento material bastante para, numa situação de exceção, serem chamados a contribuir para o financiamento do sistema, o que afasta, à partida, o caráter arbitrário da medida”.
Por outro lado, o TC invoca a excecionalidade da medida, pedindo-se aos beneficiários (acima de um dado limiar) o seu contributo para a minimização dos problemas de sustentabilidade da segurança social que o agravamento da situação económica e financeira do país (menos gente a contribuir e mais gente a beneficiar da proteção social necessária) veio provocar: “é patente que a incidência de um tributo parafiscal sobre o universo de pensionistas como meio de reduzir excecional e temporariamente a despesa no pagamento de pensões e obter um financiamento suplementar do sistema de segurança social é uma medida adequada aos fins que o legislador se propôs realizar”, partindo do princípio de que “perante a conjugação de uma diminuição das receitas do sistema de segurança social, face ao forte aumento do desemprego, redução dos salários e às novas tendências migratórias, com um aumento das despesas com o apoio ao desemprego e às situações de pobreza, e à consequente necessidade do Estado subsidiar o sistema de segurança social, agravando desse modo o défice público, o legislador, a título excecional e numa situação de emergência, optou por estender aos pensionistas o pagamento de contribuições do sistema de segurança social do qual são direta ou indiretamente beneficiários, apenas durante o presente ano orçamental”.
Assim, embora o TC sublinhe o caráter excecional e de situação de emergência em que a medida é aplicada, se projetarmos uma situação de instabilidade continuada e de forte ameaça à sustentabilidade do sistema de segurança social, não será que a decisão do TC abre caminho a uma espécie de contribuição “extraordinária” de solidariedade a vigorar enquanto a situação de emergência perdurar e enquanto as ameaças à sustentabilidade persistirem?

1 comentário:

  1. Professor vou partilhar. Pois acho a sua explicação pertinente e assertiva, tanto que não a vi em nenhum orgão de comunicação, nem nenhum constitucionalista a explicá-lo. Obrigada. Alda

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