O governo continua a brincar ao alargamento dos
compromissos políticos. Umas vezes rejeita e desvaloriza aproximações com o PS,
noutras faz o papel de arrependido e preocupado com o interesse nacional e
procura envolvê-lo em decisões porventura mais estruturadas e de longo prazo de
consolidação sustentada de contas públicas. Mas, nestes últimos momentos, quase
sempre precipita o não acordo, definindo à partida condições que não prefiguram
uma negociação real, mas antes a procura de uma muleta para o seu isolamento,
apenas minimizado pelos amigos do costume na cena internacional, que precisam
da experiência portuguesa para justificarem a sua ineficaz gestão da
instabilidade europeia.
Desta vez, já com a evolução da dívida pública a
atingir em Dezembro de 2012 123,6% do PIB (Boletim Estatístico do Banco de Portugal, Abril 2013 e gráfico acima) e revelado que afinal sempre é possível
(não se sabe ainda como) cortar nas tais “gorduras” do Estado (porque é que não
se começou por aí?), o primeiro-ministro procura entalar o PS, acenando-lhe com
uma agenda para o crescimento e emprego. E aqui compreendo perfeitamente que
António José Seguro esperaria uma maior margem de manobra na preparação do
acesso do PS à governação. Não queria estar na sua pele. De facto, uma decisão
desta natureza enfrenta a irredutível indeterminação de produzir uma agenda de
crescimento e emprego que o PS possa capitalizar ou, pelo contrário, de
associar-se a algo de insípido que mostre por antecipação que o problema do
crescimento e do emprego se joga em agendas de alcance mais vasto do que o da
economia portuguesa. A experiência francesa de Hollande começou com as mesmas expectativas
promissoras e tem-se esgotado, seja nas contradições do executivo reunido por
Hollande (contas na Suiça e outros fenómenos reveladores do que a governação
socialista é capaz), seja nas contradições das próprias medidas avançadas. Tendo
utilizado a aprovação do pacto orçamental como instrumento errado de
visibilização da pretensa credibilidade de um futuro governo socialista face
aos mercados internacionais, AJS sabe que corre o risco de evidenciar antes de
uma eventual viragem eleitoral que não é portador de uma solução credível para
inverter o estado das coisas sem uma gestão diferente da crise a nível europeu.
Por outro lado, o parceiro de negociação não é de facto de confiança e custa
imaginar que apenas a entrada no governo de gente pelo menos mais arejada e
letrada seja suficiente para fazer transformar Passos Coelho em personalidade
cooperante. Mas, por outro lado, ficar à margem desta aparente reconsideração
do governo (vá la saber-se inspirada por que razão ou pressão) coloca AJS
naquela difícil posição de contrariar o estatuto de homem de Estado que procura
fazer passar. As posições passadas do governo podem favorecer a rejeição do
envolvimento do PS, agravadas agora pelo facto de não ser visível posição integrada
da maioria sobre o assunto. Continua a ser muito estranho o aparente isolamento
a que o PSD do governo vota o seu parceiro de coligação, deixando-o a falar
diretamente para o país em declarações como as de Pires de Lima ou João de
Almeida.
Entretanto, tal como o Freire de Sousa já aqui o
assinalou, a publicação do livro de João Ferreira do Amaral sobre o argumento
da saída do euro parece ter contribuído surpreendentemente não para reforçar
essa hipótese mas antes para reforçar os que pensam que só, tal como a história
o evidencia, um acordo de reestruturação da dívida entre credores e o devedor
Portugal poderá assegurar aqueles uma amortização mais certa de pelo menos uma
parte do capital. Dizem-me, não pude confirmá-lo, que a prestação do meu amigo
Jorge Bateira no Prós e Contras nada contribuiu para reforçar a posição de
Ferreira do Amaral. A confiança desmedida que os defensores da rotura com o
euro manifestam em relação à desvalorização competitiva continua a causar-me
estranheza (teremos lido as mesmas referências?), para além de, não estando em
causa a coerência de João Ferreira do Amaral, continuar a ter grandes dúvidas
sobre as condições de uma retirada estratégica, preparando as condições para o
choque.
Continuo a pensar, inspirado na história e na
grandeza intelectual de Keynes, sem comparação com estes títeres de pacotilha
que procuram hoje consertar a arquitetura do sistema euro, que os europeus
desistiram demasiado cedo de encontrar uma formulação de sistema monetário que
preservasse as moedas nacionais e apostasse num sistema de moeda comum apenas
para transações internacionais. Ao recusar essa alternativa, o sistema
encontrado ora encontrará as vicissitudes da sua imperfeição, ora deparará com
as dificuldades óbvias de caminhar para a solução mais radical de
desaparecimento da soberania nacional. O que temos hoje nem é carne, nem peixe,
mas antes um aglomerado que não se recomenda em alimentação saudável.
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