O branqueamento que a comunicação do
primeiro-ministro ao país fez dos resultados de 22 meses de governação é
inqualificável, mesmo dando de barato a magnitude do desafio que está em cima
da mesa de qualquer governo, hoje, no Portugal concreto e não do Portugal das fábulas.
Mas, apesar disso e nem sequer ignorando o isolamento e o desgaste a que Passos
Coelho está hoje submetido (se houve algum respaldo sério por parte do CDS ele
passou quase despercebido), a posição assumida por Passos Coelho nessa
comunicação não deixa de colocar o PS perante uma jogada difícil num tabuleiro
que parece cada vez mais inclinado e por isso cada vez mais instável. Aliás, se
é verdade que Seguro teve um fim de semana preenchido a apoiar algumas
candidaturas autárquicas do partido a norte, a forma como foi apresentada a
tomada de posição de resposta do PS à comunicação do primeiro-ministro continua
a projetar AJS para o domínio da infelicidade. Tanto mais infeliz quanto o
tenso e justiceiro Sócrates está numa de “dois em um” com a maior das facilidades,
ou seja, não deixando de ser contundente para o governo e presidente da República
(o governo presidencial é este e não outro) marca pela sua determinação o
contraponto indesejável para AJS.
Porquê então uma jogada difícil para o PS no
ingrato tabuleiro? Passos Coelho joga de novo a cartada do corte estrutural de
despesa, a partir do momento em que rejeita (liminarmente? Tenho dúvidas!) o
aumento de impostos. Ora, neste contexto, a posição do PS não tem uma ampla
margem de manobra, antes pelo contrário, ela é muito estreita:
- Em primeiro lugar, o PS teria que mostrar que é possível aumentar em alguma medida a carga fiscal do ponto de vista global distribuindo-a mais equitativamente de modo a torná-la socialmente suportável; não se conhece posição oficial do partido sobre a matéria, sobretudo do ponto de vista do quantum de receita que essa intervenção seletiva poderia assegurar;
- Em segundo lugar, o PS bem pode e com razão defender que a política de austeridade por si só já não consegue inverter os desequilíbrios em que estamos envolvidos; a exequibilidade de tal mensagem só no plano europeu pode ser conseguida, ou seja, só no quadro de uma solução global e europeia para o euro é que a posição tem sentido, solução que exigiria um posicionamento reflacionário e não deflacionário como o que está a ser imposto intramuros pelo “triângulo do mal, Alemanha, Holanda e Finlândia”; as condições no Parlamento Europeu para acolher essa outra perspetiva melhoraram, graças à ação de alguns deputados do grupo socialista e aqui Elisa Ferreira tem tido um papel que não pode ser ignorado; mas do ponto de vista da Comissão Europeia e do Conselho a questão não pia assim, continua a ser favorável à via mais ou menos punitiva e convém lembrar que AJS também se ufana de ter sido dos primeiros a assinar o pacto orçamental a nível europeu, uma das maiores aberrações políticas dos últimos tempos (o síndroma do bom e obediente aluno não está apenas no governo); a discussão na próxima quinta feira dos termos de alteração dos compromissos de Portugal e da Irlanda dirá da tendência mais provável;
- Em terceiro lugar, assim sendo e mesmo que cavalgue a ideia da necessidade de novas eleições, mais tarde ou mais cedo o PS vai ter de pronunciar-se sobre a adaptação estrutural da despesa pública seja às novas condições de financiamento da mesma, seja aos novos limiares de capacidade de arrecadação fiscal que a degradação da situação tem vindo a condenar a economia portuguesa.
Parece paradoxal mas não é. Podemos defender uma
política de consolidação orçamental alternativa à austeridade a todo o preço e,
mesmo assim, não ser possível esconder-nos atrás do palco e consequentemente
ter de consolidar uma perspetiva o menos danosa possível do ponto de vista
social para a despesa pública estrutural. E há dossiers que o PS vai ter
enormes dificuldades em cavalgar, como por exemplo o da descida dos preços (das
rendas diferenciais) das PPP e dos praticamente monopolistas nos não transacionáveis
(energia e telecomunicações). O mesmo PS que as encorajou em nome de um
pretenso interesse nacional, embora com outra liderança, terá sempre inibição
de entrar por essa porta, interpretando-a como uma cedência a posições mais
liberais. Mas, neste caso, por mais paradoxal que possa parecer aos bloquistas
do PS, quanto mais se conseguir reduzir essa fatura, menos impacto a adaptação
estrutural da despesa pública terá sobre o core
da proteção social em termos de crise aberta e desregrada.
Não há estratégia de rotura sem estratégia de
transição. A rutura com a austeridade a todo o preço, para além de exigir um
respaldo europeu, exigirá uma estratégia de transição que dificilmente não terá
de passar por um corte estrutural da despesa pública. Terá o PS capacidade para
explicar essa estratégia de transição, sendo convincente no que pretende
atingir? Começo a ficar obcecado com esta ideia, mas para responder a esta
questão uma outra martela-me a cabeça: mas que raio de ministro das Finanças
tem o PS para apresentar?
Não se resolvendo a equação por essas bandas, não
teremos mais de constatar que, semana a semana, são cada vez mais os que lançam
para a mesa a questão da saída do euro. E aqui a minha grande dúvida é a de
saber se tal estratégia concertada e organizada de saída, de que fala João
Ferreira do Amaral, é exequível. E aqui continuo pessimista embora
analiticamente a compreenda.
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