segunda-feira, 29 de abril de 2013

HABERMAS, A CRISE EUROPEIA E A SOLIDARIEDADE ALEMÃ

 
Chegam-me ecos de uma recentíssima conferência (“Democracia, Solidariedade e a Crise Europeia”) de Jürgen Habermas na KUL (Universidade Católica de Lovaina), perante uma audiência de mais de 1200 pessoas.

A leitura integral da comunicação (ver em
http://www.kuleuven.be/communicatie/evenementen/evenementen/jurgen-habermas/en/democracy-solidarity-and-the-european-crisis) é obviamente insubstituível, mas caio na tentação de alguns sublinhados tendencialmente vulgarizadores.

Começa assim: “A União Europeia deve a sua existência aos esforços de elites políticas que puderam contar com o consentimento passivo das suas mais ou menos indiferentes populações enquanto os povos puderam olhar a União como sendo, tudo considerado, do seu interesse económico. A União legitimou-se aos olhos dos cidadãos primariamente através dos seus resultados e não tanto pelo facto de corresponder à vontade política dos cidadãos.”

E, após sublinhar que “o que une hoje os cidadãos europeus são as mentalidades eurocéticas que se tornaram mais pronunciadas em todos os países membros durante a crise, embora por razões diferentes e bastante polarizadas em cada país”, Habermas não hesita em afirmar que “o atual curso da gestão da crise é, em primeiro lugar, empurrado e implementado pelo vasto campo de políticos pragmáticos que perseguem uma agenda incrementalista mas carecem de uma perspetiva abrangente” e onde a defesa de “mais Europa” decorre de quererem “evitar a alternativa muito mais dramática e presumivelmente mais cara do abandono do euro”.

Aqui chegado em termos de diagnóstico de fundo, o filósofo e sociólogo alemão propõe-se seguidamente três grandes objetivos. O primeiro é o de “explicar o provável dilema tecnocrático em que este projeto se deixou enredar”. O segundo corresponde a “expor passos alternativos visando uma democracia supranacional no coração da Europa e os obstáculos que teríamos de remover nesse caminho”. O terceiro pretende “uma clarificação do difícil, embora genuíno, conceito político” de solidariedade, cuja falta constitui o maior daqueles entraves.

A identificação do “dilema tecnocrático” em que estamos enredados toma por ponto de partida um roadmap que as instituições europeias traçaram, num documento de finais de 2012 (COM/2012/777/FINAL/2), com vista a desenvolver uma “União Económica e Monetária Profunda e Genuína”. Este aponta como causa da crise “o deficiente desenho de uma união monetária”, propõe a sua reforma em três eixos (coordenação fiscal, orçamental e económica; um orçamento europeu; alguma mutualização da dívida dos Estados) e privilegia a expansão das capacidades de governação a curto e médio prazo sobre um alargamento das bases de legitimação democrática (que surgem como uma “luz ao fundo do túnel”, subsequente às reformas). Ou seja, “de um lado, as políticas económicas requeridas para preservar o euro e, do outro, os passos políticos para um aprofundamento da integração”, assim se aproximando a União Europeia do “ideal dúbio de uma democracia conforme ao mercado” ainda mais impotentemente exposta aos imperativos dos mercados por falta de uma âncora na sociedade civil.
 
A alternativa advogada a uma “integração adicional sob o presente modelo do federalismo executivo” passa por “uma decisão consistente de expandir a União Monetária Europeia para uma União Política”, passo que significaria “uma séria diferenciação da União entre um centro e uma periferia”. Neste quadro, “a ideia de que os Estados-Nação são ‘os sujeitos soberanos dos tratados” teria de ser abandonada” e verificar-se-ia “uma mudança da intergovernamentalização para o método comunitário”, sem prejuízo de os Estados membros manterem a sua integridade. Mas esta evolução não será fácil e as chaves do destino da União Europeia estão basicamente nas mãos de uma Alemanha (“se há um governo, entre os Estados membros, capaz de tomar a iniciativa de rever os tratados, esse é o governo alemão”) cujo interesse nacional passa por “evitar permanentemente o dilema de um estatuto semi-hegemónico que dificilmente pode ser mantido sem um deslizamento para conflitos”, assim não podendo “sucumbir às fantasias de poder de uma ‘Europa Alemã’ em vez de uma ‘Alemanha na Europa’”.

Quanto à solidariedade, abdico aqui da argumentação filosófica para me centrar em pressupostos – desde logo, o de que “a Alemanha não apenas tem interesse numa política de solidariedade” mas “tem mesmo uma obrigação normativa correspondente”, quer porque “retirou o maior benefício da moeda única através do aumento das suas exportações”, quer porque “é parte do problema” na medida em que tais excedentes de exportação “contribuiram para o agravamento dos desequilíbrios económicos dentro da união monetária”, quer porque “está até a tirar proveito da crise” por via da baixa das taxas de juro das suas obrigações governamentais – e conclusões concretas:
(i) “Se quisermos preservar a União Monetária, já não é suficiente, dados os desequilíbrios estruturais entre as economias nacionais, providenciar empréstimos a Estados sobreendividados de modo a que cada um melhore a sua competitividade através dos seus próprios esforços. O que é alternativamente requerido é um esforço cooperativo decorrente de uma perspetiva política partilhada para promover o crescimento e a competitividade na Zona Euro como um todo.”
(ii) “Um tal esforço requereria que a Alemanha e vários outros países aceitassem efeitos redistributivos negativos no curto e médio prazo no seu próprio auto-interesse de longo prazo”.

Assim falou, aos 83 anos, um dos mais influentes intelectuais do nosso tempo...

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