sexta-feira, 19 de abril de 2013

FACTOS ESTILIZADOS




Numa sexta feira em que o primeiro-ministro Coelho parece ter virado cordeiro, angelical e anunciando uma agenda para o crescimento e emprego (sente-se no ar a temperatura de tanta massa de neurónios em ebulição), que não é mais do que a derradeira tentativa para segurar o PS num limbo de expectativa regulada, a minha atenção continua presa à semana de todas as dificuldades para Reinhart e Rogoff, mais propriamente o abalo sobre as suas evidências empíricas de relações entre a dívida pública e o crescimento económico.
Os economistas que trabalham mais os longos períodos da evolução económica, caso de Reinhart e Rogoff, não porque sejam especialistas do crescimento de longo prazo, mas porque vão em busca de situações de crise financeira e de endividamento nesse horizonte, derretem-se literalmente por factos estilizados. Na impossibilidade de poderem descobrir leis universais e a-históricas, procuram em regra um sucedâneo bastante remoto dessas leis com a explicitação de regularidades estatísticas de longo prazo, as quais funcionam também como um quadro de requisitos para os modelos teóricos. Ou seja, se os modelos explicarem os principais factos estilizados a sua validação sai substancialmente reforçada. A história da teoria económica e a própria história económica tendem a revelar que só grandes nomes da academia podem aspirar associar o seu nome a tais factos (regularidades). É o caso, por exemplo, de Nicholas Kaldor, cujo nome vem regularmente associado aos factos estilizados que marcaram a teoria do crescimento económico pelo menos até aos anos 80. Para o leitor compreender melhor o conceito, basta relembrar um dos factos estilizados de Kaldor: a tendência sólida de longo prazo para que o progresso técnico se traduza por uma subida continuada da produtividade do fator trabalho, o que é a mesma coisa que dizer que, no longo prazo, a mesma unidade de produto pode ser produzida com menor incorporação de horas de trabalho. Entende-se a honra de ter o nome associado a um facto estilizado: durante toda uma determinada época, toda a teoria do crescimento visará explicar aquela regularidade. Os factos estilizados são uma oportunidade de ter um lugar na história.
A minha interpretação do caso Reinhart-Rogoff é que, talvez sem intenção deliberada, estes economistas quiseram ter o seu nome associado a um facto estilizado, o já célebre limiar dos 90% de peso da dívida pública no PIB, a partir do qual toda a anemia de crescimento estaria explicada. Isto não invalida que Reinhart e Rogoff não possam ficar na história, por outros motivos, como por exemplo o seu estudo meditado e profundo das crises financeiras e do modo como os países e a economia mundial as superaram. Do pretenso facto estilizado ao ícone fundamentador do apertar do cinto para desalavancagem do endividamento público vai um pequeno passo e talvez os dois economistas não se tenham apercebido de quão pequeno era esse passo.
Nos últimos dias, têm sido publicadas críticas do trabalho de Reinhart e Rogoff bem mais duras do que a identificação do erro fatídico do EXCEL. A identificação deste erro terá conduzido a universidade de Massachussets – Amherst não direi do mais completo anonimato, mas de algum desconhecimento ao estrelato. O gráfico acima constitui um dos mais divulgados na blogosfera da economia dos últimos dias e deve-se a um estudante de doutoramento em Berkeley Owen Zidar) provavelmente sob a influência crítica de Bradford DeLong (é por estas razões que estudar em sítios como Berkeley não é o mesmo que o fazer em Lisboa ou no Porto). O gráfico trabalha melhor a questão dos períodos temporais para estabelecer as correlações necessárias. Como DeLong o assinala, não há qualquer vestígio da presença do famigerado limiar dos 90%.
Mas o criticismo mais virulento vem da evidência de que a variável “Dívida Pública /PIB” não é só numerador. Tem também um denominador. E quando este se encontra fortemente deprimido por outras razões que não as da dívida (o nosso caso, por exemplo) a causalidade pode evoluir no sentido contrário, isto é, do produto para a dívida e não o contrário. É verdade que Reinhart e Rogoff falam de associação de variáveis e não de causalidade. Mas hoje nada pode ser escondido, com o potencial de informação. Alguém andou a esgravatar audições que Rogoff concedeu a senadores republicanos no Congresso americano e concluiu que para os colegas Rogoff fala de associação entre variáveis mas para político ouvir é de causalidade que fala. E aqui o caldo está entornado. Porque falar de associação desculparia Reinhart e Rogoff do aproveitamento que os falcões da austeridade e da desalavancagem pública fizeram dos resultados. Mas deixar a palavra descair para a causalidade já não os põe a salvo de poderem ser os racionalizadores de uma das maiores burrices de política económica que a história económica acolherá.
Dupla infelicidade. O facto estilizado parece ter ruído. E, para mais, a solidez do conceito de causalidade que Reinhart e Rogoff terão internalizado deixa bastante a desejar.

Via mail do amigo Professor Leonardo Costa, chega-me uma citação atribuída a Kenneth Rogoff (não consegui localizar e validar) que poderá ser útil ao autor em semana tão para baixo.
O título que o Leonardo propõe é curiosamente o de Lições de xadrez por Kennetth Rogoff:

“Primeira: a importância de me manter calmo em situações difíceis, mesmo depois de se cometer um erro.
Segunda: independentemente de achar que compreende muito bem uma dada posição, deve ter sempre em conta que há vários níveis de complexidade, escondidos. Para os economistas, esta segunda lição implica que é importante ser humilde, e compreender bem a diferença entre ter uma opinião forte bem fundamentada e ser demasiado confiante em si próprio.
Terceira: a importância de ter um plano estratégico de longo prazo e não se focalizar exclusivamente nos problemas de curto prazo.”
Surpreendente, não?

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