Já deve ter dado para entender a profunda admiração pessoal e profissional que nutro pelo José Manuel Félix Ribeiro (JMFR). E esta noite cá me organizei com a devida antecedência para assistir, religiosamente, à sua prestação no “Olhos nos Olhos” da TVI24. Apesar da companhia, bem pouco recomendável para a ocasião, de um narcisista inveterado e de escassa cultura económica e de uma jornalista competente mas completamente desajustada em termos de requisitos mínimos para o desempenho daquela função concreta.
Muitíssimo foi o que ficou para processamento. Sobre o nosso passado recente, três imagens fortes: “perdemos o emprego e ofereceram-nos um cartão de crédito”, “os países têm uma elite – ou devem ter – que deve olhar para o mundo e deve perceber o que é que têm de fazer” e “não cuidamos do que tínhamos para oferecer”. Sobre o nosso papel no presente: “não somos úteis para quase nada” e estamos remetidos à mera função de “primeira linha de defesa do Centro europeu”, este que precisa de ganhar tempo e assim nos dá crédito para que aguentemos (um “negócio” tanto menos sério quanto os três autores do memorando de entendimento têm agendas próprias e não articuladas). Sobre o nosso futuro: o “novo consenso nacional para os próximos trinta anos” que não estamos a saber procurar perante os novos dados que a realidade nos impõe (não mais integração europeia como princípio e fim de tudo, não mais intocabilidade do Estado social, não mais municipalismo).
Perguntado sobre os eixos de uma tal estratégia nacional, JMFR não teve grandes cerimónias para pontuar: estarmos nos fundadores da zona de livre troca do Atlântico Norte que Obama anunciou, aproximarmo-nos dos Estados Unidos sem deixarmos a Europa, distanciarmo-nos da integração europeia sobrante (“luta pelo controlo dos restos”), tentarmos um desenvolvimento de relações bilaterais com a Alemanha e procurarmos outros amigos. Acrescentando ainda o necessário ajuste do modelo social no sentido de uma incorporação de mais mercado (“economia social de mercado”) e o papel nuclear da classe média na consecução desse desafio modernizador, por um lado, e a atração de investimento e de rendimento do exterior, por outro.
Em relação à Europa e ao Euro, JMFR deixou também vários apontamentos interessantes: da moeda única como o maior fracasso da política externa francesa (a ideia peregrina de a utilizar como forma de engaiolar os alemães e desafiar os americanos) ao seu desenho em função da enorme preocupação alemã de “não ter outros 30 anos a pagar a Europa”, do diagnóstico do que está a acontecer na Europa (“desobediência alemã aos americanos”) aos elogios a Merkel (“gratidão aos americanos e respeito pelos israelitas”).
Recusando sempre qualquer incursão no terreno da política pura e dura ou mais imediata – onde o máximo que se lhe conseguiu ouvir foi que “a ideia de austeridade não me parece ser uma ideia boa” –, JMFR acabou a responder exemplarmente a uma pergunta de Judite de Sousa sobre o que se vai passar amanhã com a alegada aprovação pelo Governo de uma estratégia de fomento industrial: “só posso desejar que o tempo esteja bom”!
Admirável participação do Doutor Félix Ribeiro. Lucidez, brilhantismo e a prova de que em Portugal ainda se sabe pensar sem estar enredado em baixa política. Fiquei rendido á clareza do seu pensamento.
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