domingo, 19 de fevereiro de 2012

SERIA PRUDENTE OUVIR A EX-CONSELHEIRA DO PRESIDENTE



Christina Romer é uma economista americana pela qual tenho uma grande admiração. Menos ativa na blogosfera e na imprensa do que outros economistas americanos como Krugman, DeLong ou Stiglitz, também não tão presente no debate político das ideias económicas como aqueles seus colegas, Romer é uma economista de extrema seriedade no modo como trabalha as evidências históricas, passadas e contemporâneas. Combina o rigor dos tratamentos quantitativos com uma prática hoje pouco comum entre a profissão de análise de narrativas complementares em torno dos processos que pretende explicar. Trata-se de uma economista que deve ser apontada a qualquer estudante de economia como um exemplo de alguém que não fica refém dos tratamentos quantitativos e que preza o tratamento rigoroso das evidências. O facto de ter assumido as funções (que entretanto abandonou) de Presidente do Conselho de Assessores económicos do Presidente Obama catapultou-a para uma notoriedade que certamente a própria não desejaria, dado o seu estilo reservado de artífice laboriosa das evidências.
O convite de Obama não foi por acaso. Christina Romer é considerada uma das grandes estudiosas contemporâneas da Grande Depressão de 1929-30 e, no arranque do mandato de Obama a economia americana estava mergulhada no que iria ser a Grande Recessão (contração) da época atual. Na passada semana, Romer concedeu ao THE BROWSER – Writing Worth Reading uma valiosa entrevista (sete páginas impressas) que considero ser, no plano da divulgação das ideias e não no plano estritamente científico, o grande documento da atualidade sobre a comparação entre o lio da Grande Recessão atual e a Grande Depressão de 1930. Aliás, o título da entrevista é muito sugestivo “Aprender com a Grande Depressão”.
Sem pretender substituir-me à leitura desse valioso documento, destaco simplesmente alguns aspetos que permitem situar o título do meu post – seria prudente ouvir a ex-conselheira:
  • A política económica e monetária tem um papel decisivo a desempenhar na mitigação (ou ampliação quando erra ou age tardiamente) dos efeitos socialmente devastadores das recessões (particularmente das grandes) que são inerentes à dinâmica do capitalismo;
  • A contração da oferta de moeda na sequência de sucessivos pânicos bancários constitui uma das razões centrais da eclosão da Grande Depressão de 30, fortemente coadjuvada pela ausência de capacidade de resposta do então Banco da Reserva Federal americano;
  • O sistema de padrão-ouro então vigente foi o principal responsável pela transmissão da Grande Depressão americana a outros países designadamente a Europa; a subida da taxa de juro nesses países para contrariar a saída de ouro gerou uma contração monetária similar;
  • Tal como no passado, hoje também más ideias económicas correm o risco de ter efeitos devastadores, designadamente na Europa: o mito de que a contração fiscal pode ser expansionista é fortemente contrariado pela evidência empírica;
  • O balanceamento fiscal tem de ser gradual;
  • A experiência relativamente bem sucedida da Reserva Federal de abordagem ao pós 2008/09 (que não à sua facilitação) nos EUA mostra que não basta apenas fornecer liquidez à economia, mas que é também necessário assegurar que o crédito chegue às empresas; para isso, imaginação é necessária e possível, mesmo em contexto de taxas de juro próximas de zero ou mesmo nulas;
  • Na Grande Depressão de 30, o estímulo fiscal foi praticamente insignificante; a subida dos impostos assumida pelo Presidente Hoover em 1932 para compensar a queda do efeito receita revelou-se desastrosa; a disciplina fiscal precoce de 1937 gerou uma depressão dentro da depressão;
  • Embora o estímulo fiscal de Obama fosse inferior ao que Romer terá proposto nas suas funções de assessora do Presidente, ele representou o maior estímulo fiscal de natureza contra-cíclica da história americana e explica que a situação não tivesse gerado os efeitos devastadores de 1930;
  • Sair de uma situação de taxas de juro próximas de zero ou nulas exige um choque consistente de expectativas, objetivo que não será seguramente conseguido com uma disciplina fiscal precoce em relação ao estado da economia.
Os ensinamentos que Romer retira da comparação dos anos 30 com a situação atual parecem suficientes para uma mudança de direção. Por que razão então a história não é convincente e grande parte da política atual contradiz aqueles ensinamentos? Por várias razões:
  • Porque há economistas cúmplices e enredados na teia de contradições que nos trouxeram até aqui;
  • Porque a validação entre pares conduziu os economistas a trajetórias de investigação que estão nos antípodas das preocupações de Romer, no âmbito das quais os modelos se sobrepõem às evidências e o recurso a narrativas complementares desapareceu há muito;
  • Porque a dimensão histórica tem hoje um papel menor na formação em economia;
  • Porque a cultura em sentido amplo dos economistas anda pelas ruas da amargura, sobretudo quando se transformam em papagaios do poder, qualquer que ele seja;
  • Porque a debilidade dos diretórios políticos não convive bem com economistas com pensamento estruturado.

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