quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O NÚMERO DOIS

Todos os líderes têm um número dois. E quanto mais eficaz ele for, quanto mais atento ele estiver, quanto mais ele aplainar o caminho, quanto mais ele contiver os seguidores, quanto mais ele fizer o “trabalho sujo”, mais forte e duradouro será o líder. Recorrendo a uma talvez excessiva comparação desportiva, poderia até dizer-se que será esse um dos problemas do atual F.C.Porto – depois de João Pinto, Jorge Costa e Bruno Alves, falta-lhe um verdadeiro número dois…

Focando-nos na história portuguesa recente: Cavaco teve Fernando Nogueira, Guterres teve Jorge Coelho, Durão teve Morais Sarmento, Santana teve Rui Gomes da Silva, Sócrates teve Silva Pereira e Passos tem Miguel Relvas. Em nenhum caso, o número dois foi/é uma “eminência parda” tão discreta e incontestada como aconteceu com Pedro Silva Pereira (PSP, acima caricaturado por Fernão Campos em
http://ositiodosdesenhos.blogspot.com) durante os seis anos do consulado de Sócrates – Cavaco também ouvia Dias Loureiro, Guterres também obedecia a Pina Moura, Durão também conciliava com Marques Mendes, Santana também chegou a considerar Henrique Chaves e Passos também tem de articular com Portas e Gaspar. Os resultados fala(ra)m por si…

Sócrates está agora em Paris e o Partido Socialista lidera a oposição. O seu secretário-geral (António José Seguro) assumiu a liderança num momento especialmente complexo e rapidamente foi chamado a adotar posições muito concretas – um contexto em que nada poderia ter sido mais ingrato do que a escolha de o PS ser uma “oposição responsável e construtiva”, o que se viria a traduzir na infeliz “abstenção violenta” assumida na votação do Orçamento de Estado para 2012. PSP fez parte, sem grandes alardes, dos chamados “críticos socráticos” que, no Parlamento, discordaram desta opção. Mas a sua voz só se fez significativamente sentir após meses de nojo, em aparente observação e relativo silêncio; veio então a público dizer de sua justiça – refiro-me, designadamente, às suas intervenções apontadas no meu post de 20 de Fevereiro – ou, se se quiser voltar a uma imagem futebolística, “dando a tática”.

Reproduzo um excerto da peça apresentada pela RTP em 14 de Fevereiro: “Era o número 2 de José Sócrates quando o Governo socialista negociou um acordo com a Troika. Pedro Silva Pereira diz que não é por causa desse acordo que os portugueses estão a viver com mais austeridade. ‘Praticamente todas as medidas de que os portugueses mais se queixam – sem serem piegas – mas que são as medidas implicam mais sacrifícios para os portugueses curiosamente não estavam no memorando da Troika’. Chama a estas medidas adicionais de Pedro Passos Coelho PEC5 e PEC 6. ‘A sobretaxa extraordinária sobre o IRS, depois o aumento do IVA da energia para a taxa máxima de 23%, na eletricidade e no gás, e depois ainda os aumentos nos transportes públicos que chegaram a ir dos 15 aos 25%. Com o Orçamento para 2012 chamar-se-lhe-ia o PEC 6; e aí vem a eliminação do 13º e do 14º mês para os funcionários públicos e para os pensionistas, que também não estavam no memorando da Troika’. Aumentos do IVA e IRS, taxas moderadoras, Pedro Silva Pereira diz que estas medidas vão custar 8500 milhões de euros aos portugueses. ‘Não nos devemos deixar iludir. Quando o ministro alemão disse em surdina ao ministro português que Portugal estava a fazer esforços mas que ele estaria disponível amanhã, que a Alemanha estaria preparada para fazer ajustamentos ao programa financeiro, realmente o que ele está a dizer é: vocês estão a fazer esforços mas isto não vai chegar, isso não vai ser suficiente, isto é, o programa não vai conseguir atingir o seu objetivo fundamental [que em 2013 o País possa estar em condições de aceder aos mercados financeiros]’.”

PSP já tinha sido claro no debate de 10 de Fevereiro ao referir: “No caso português, nós temos um problema realmente que não podemos esquecer, mesmo que se cumpram as metas do défice orçamental. Tem que ver com o impacto sobre a economia. Quando foi estabelecido o programa de assistência financeira negociado pelo Governo anterior com a Troika, ele foi visto – até internacionalmente, e entre nós também – como um programa melhor do que o grego. E porque é que ele era melhor do que o grego? Ele era melhor do que o grego porque o equilíbrio entre a austeridade e a margem para a economia sobreviver era mais razoável do que no programa grego. Ora o que aconteceu ao longo destes quase oito meses de exercício da parte do Governo é que foram introduzidas sucessivas alterações ao memorando negociado pelo Governo anterior que vão todas no sentido de acrescentar austeridade. E por isso quando, para
2012, estava prevista uma recessão de -2,8%, agora estamos com uma recessão acima de 3%. E portanto, quando se diz que não há confiança na economia portuguesa para ela regressar aos mercados financeiros, não é só por causa das dificuldades da economia internacional – aliás acho sempre muito interessante quando agora a direita vem dizer que há um problema com a crise internacional. Mas não é só isso. É porque a agenda política do Governo de execução orçamental acrescentou uma série de medidas de austeridade que aprofundaram a recessão. E essas medidas de austeridade – que não estavam no memorando inicial – são conhecidas de todos os portugueses (…) Isto vai ter uma consequência na economia. E depois dir-me-á se esta recessão agravada não é também uma das razões pelas quais as agências de rating, os mercados vão dizendo: ‘há aqui um problema que é o crescimento económico’.”

Ou, ainda: “Penso que o secretário-geral [do Partido Socialista], quando se refere ao condicionamento do memorando, é o condicionamento que todos temos daquilo que está no memorando. Agora, é verdade que entretanto já aconteceram duas revisões desse memorando, feitas unilateralmente pelo Governo em diálogo direto com a Troika, e que foram acrescentando – nalguns casos até aspetos do programa do Governo que têm pouca ligação com o alcançar das metas orçamentais e foram sendo introduzidos no memorando. Isso vai destruindo o equilíbrio, que já era difícil, entre austeridade e crescimento económico na primeira versão do memorando e acaba por prejudicar as próprias condições de o País alcançar os seus objetivos, quer as suas metas orçamentais quer o seu objetivo mais global que é o objetivo de poder regressar aos mercados, o que supõe confiança e confiança no desempenho da economia portuguesa.”

PSP regressou, pois, e a sua fineza e experiência poderão certamente ser muito úteis ao Partido Socialista neste período de difícil definição e de poucos apoios sólidos. E Seguro – que até já “corrigiu o tiro” ao vir lembrar que “é preciso que os portugueses saibam quais são as limitações” que condicionam a sua ação, que vai “honrar” o memorando mas não concorda com uma parte dele e que “o ‘custe o que custar’ do primeiro-ministro está a levar 900 portugueses por dia para o desemprego” – talvez ainda vá a tempo de cooptar alguns novos “administradores” para levar a bom porto a gestão da sua “empresa”. Ou mesmo – porque não? – de nomear PSP como um dos seus “cardeais”…

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