O Suplemento ESTELA do Faro de Vigo do passado domingo (05.02.2012) dedicou mais uma longa reportagem (notícia) sobre
a situação económica portuguesa, fortemente inspirada pelos rumores de um
segundo resgate financeiro alimentados por alguma imprensa económica
internacional. A preocupação reflete essencialmente a integração da economia
galega com a economia portuguesa, não apenas com a da região Norte, que sempre
representou uma porta de entrada para mais largos voos no mercado nacional.
Entre alguns testemunhos, Associação
Empresarial do Vale do Minho e Paulo Vaz da Associação Têxtil de Portugal e do próprio
Secretário Geral do Eixo Atlântico, foi-me solicitado um testemunho sobre a
situação que reproduzo aqui e que veicula algumas das ideias que têm
atravessado este blogue.
“No fechar do mês de Janeiro, o
comportamento dos yields dos títulos da dívida pública a 2 anos de Portugal e
Espanha no mercado secundário revelava um comportamento preocupante para a
situação portuguesa: os rendimentos dos títulos portugueses disparavam para
além dos 20% e os dos títulos espanhóis desciam a partir de valores muito mais
baixos. Mesmo tendo em conta que o mercado secundário é, por vezes, um mercado
ilusório, isto é, com um volume de transações muito reduzido, o indicador
anterior sugere o isolamento pelos mercados da situação portuguesa e
aparentemente a negação do contágio à economia espanhola. A situação portuguesa
parece, assim, fortemente impactada pela relação de forças entre credores
internacionais e o governo grego. A economia espanhola parece, por agora,
escapar a esse contágio.
A situação peculiar de dimensão e
abertura da economia portuguesa e o seu profundo enraizamento na crise global
da zona euro determinam que o êxito do resgate financeiro da economia
portuguesa não dependa apenas do rigor com que ele é aplicado. Parece paradoxal
mas não é. A economia portuguesa pode ser disciplinada no modo de cumprimento
do acordo com a TROIKA, pode penar e espiar culpas através de uma política de
austeridade, frequentemente cega, mas não chega. E não chega porquê?
Essencialmente, porque a recuperação da economia portuguesa depende não só de
uma consolidação fiscal mais inteligente, mas também de uma zona euro com
maiores ritmos de crescimento. Ora, nem uma coisa nem outra estão a acontecer
com a estratégia em curso: a austeridade praticada é seletiva pelos piores
motivos: atinge sobretudo as populações de rendimentos mais baixos e incide
dominantemente sobre os rendimentos do trabalho; os riscos de prolongamento e
agravamento da recessão europeia são elevados pela inconsistência com que a
política económica e monetária da zona euro está a ser conduzida.
Temos assim uma situação paradoxal. A
probabilidade de ocorrência de um segundo resgate financeiro para a economia
portuguesa antes de um eventual regresso aos mercados de financiamento
internacional não depende do rigor com que o primeiro resgate está a ser
aplicado. Por outras palavras, Portugal pode ser cumpridor, disciplinado,
concretizando o essencial do acordo celebrado e mesmo assim poder sentir a
necessidade de solicitar um segundo resgate. Porquê? A razão pode resumir-se no
seguinte: embora a situação portuguesa não seja determinante para o equilíbrio
da zona euro, é por ela influenciada decisivamente. A inconsistência na
abordagem à crise da zona euro abate-se sobre o problema português e compromete
a sua eficácia do ponto de vista da capacidade de regresso aos mercados
internacionais de financiamento.
Não estou obviamente a defender que
Portugal não cumpra o acordo. Mas tem de negociar de outro modo e invocar a sua
dependência face aos destinos da zona euro. E neste âmbito a posição alemã de
abordagem à crise das dívidas soberanas e da zona euro apenas pela via da
consolidação fiscal (pacto fiscal) tem de ser combatida. O chamado tratado fiscal
aparentemente aprovado na cimeira europeia desta semana representa um
retrocesso do ponto de vista das ideias económicas. Assenta num mito que as
evidências europeias vão contrariar, senão destruir: o mito da austeridade
expansionista.
Portugal está assim vulnerável: não
chega ser cumpridor e impor um empobrecimento global à sociedade portuguesa
para evitar um segundo resgate financeiro. Pode ser atingido pela instabilidade
europeia, sobretudo se a inconsistência da abordagem política no interior da zona
euro persistir.
E se isso acontecer, uma de duas
hipóteses não é indiferente que aconteça: um segundo resgate entendido como um
complemento do primeiro e sem implicar condições adicionais para além das que
já foram impostas; um segundo resgate com agravamento do empobrecimento e das
condições de austeridade. A segunda hipótese seria trágica e marcaria a vitória
do desvario europeu. A primeira tenderia a estabelecer um selo de
vulnerabilidade, difícil de arrancar no futuro próximo”.
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