Já tinha sido alertado, na passada quinta-feira,
numa crónica incisiva de Pedro Malaquias (PM) no Império dos Sentidos da Antena
2, para este caso a que o Público de hoje (página 18) concede amplo destaque. Enquanto
fazia uma viagem profissional a Vigo numa autoestrada praticamente deserta
entre Braga e Valença, a crónica de PM chocou-me e fez-me mergulhar em múltiplas
matérias para este blogue.
António Nunes Coelho era um emigrante português
em Bruxelas, um entre muitos de um vasto universo de portugueses que labutava
na construção civil em busca de uma subsistência minimamente confortável. Ao
que se sabe estaria desempregado, pelos vistos sem a indemnização que lhe seria
legalmente devida (aspeto que o Público não desenvolve mas que a crónica de PM
sublinhava). Para sobreviver teria aceite numa construtora belga em vias de falência
um emprego não declarado de 500 euros por 3 dias, já em condições de saúde precárias.
Vítima de um ataque cardíaco caiu brutalmente de um andaime, tendo sido
posteriormente abandonado algures numa rua de Bruxelas, onde foi encontrado
morto, tendo a autópsia revelado que terá vivido entre 15 minutos e uma hora
antes de ser encontrado e obter assistência médica infrutífera.
Como se o tempo tivesse parado, as desumanas
condições da construção civil em Portugal de algumas décadas atrás foram
transpostas para o coração da Cidade das instituições comunitárias. O desejo de
ocultar uma situação ilegal e de fuga às respetivas responsabilidades judiciais
valeu mais do que a proteção de uma vida. É arrepiante e anuncia o regresso da
barbárie.
Como antes referi, o choque da notícia fez-me
mergulhar em múltiplas reflexões para este blogue.
A primeira, mais emocional, despertou-me uma
pergunta: será este tipo de mercado de trabalho flexível que queremos? Emotiva
como é, a reflexão pode ter aparentemente algo de demagógico. Mas não pode
ignorar-se que a desregulamentação do mercado de trabalho é um mundo sem fim de
consequências imprevisíveis. Ultrapassado o limiar da norma, os demónios andarão
à solta e com taxas de desemprego e nível de empobrecimento como o de hoje
ninguém conseguirá prever até onde a atipicidade das situações de trabalho irá
evoluir.
A segunda, mais racional, diz respeito a toda
uma geração de trabalhadores ativos e desqualificados para a qual o país não
tem solução, sobretudo agora que a queda irreversível da construção civil nos
próximos 20 anos não deixa qualquer réstia de esperança. Dizia um dos
emigrantes portugueses entrevistados em Bruxelas pelo Público: “O português é
tipicamente um povo de biscateiros. Vai buscar dinheiro onde pode. E isso é válido
aqui e em qualquer lugar”. Pura sabedoria da experiência vivida. Esta geração
da desqualificação trabalhadora vai desaparecer sem que o país tivesse encontrado
uma solução estável para a sua integração ativa. Participou em parte no universo
das remessas de emigrantes. Os que tiveram mais sorte encontrarão nos sistemas
de proteção social a subsistência para o seu período de inatividade. Outros
talvez regressem procurando nas raízes uma fonte de subsistência possível.
E, voltando ao registo emocional, não posso
deixar de recordar o meu compadre, José do Alberto, operário da construção
civil, homem bom e trabalhador, morto soterrado algures numa obra pública de
estrada, algures no Norte, e também sem uma indemnização condizente com o valor
da vida.
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