domingo, 26 de fevereiro de 2012

É ESTE O MERCADO DE TRABALHO (FLEXÍVEL) QUE QUEREMOS?



Já tinha sido alertado, na passada quinta-feira, numa crónica incisiva de Pedro Malaquias (PM) no Império dos Sentidos da Antena 2, para este caso a que o Público de hoje (página 18) concede amplo destaque. Enquanto fazia uma viagem profissional a Vigo numa autoestrada praticamente deserta entre Braga e Valença, a crónica de PM chocou-me e fez-me mergulhar em múltiplas matérias para este blogue.
António Nunes Coelho era um emigrante português em Bruxelas, um entre muitos de um vasto universo de portugueses que labutava na construção civil em busca de uma subsistência minimamente confortável. Ao que se sabe estaria desempregado, pelos vistos sem a indemnização que lhe seria legalmente devida (aspeto que o Público não desenvolve mas que a crónica de PM sublinhava). Para sobreviver teria aceite numa construtora belga em vias de falência um emprego não declarado de 500 euros por 3 dias, já em condições de saúde precárias. Vítima de um ataque cardíaco caiu brutalmente de um andaime, tendo sido posteriormente abandonado algures numa rua de Bruxelas, onde foi encontrado morto, tendo a autópsia revelado que terá vivido entre 15 minutos e uma hora antes de ser encontrado e obter assistência médica infrutífera.
Como se o tempo tivesse parado, as desumanas condições da construção civil em Portugal de algumas décadas atrás foram transpostas para o coração da Cidade das instituições comunitárias. O desejo de ocultar uma situação ilegal e de fuga às respetivas responsabilidades judiciais valeu mais do que a proteção de uma vida. É arrepiante e anuncia o regresso da barbárie.
Como antes referi, o choque da notícia fez-me mergulhar em múltiplas reflexões para este blogue.
A primeira, mais emocional, despertou-me uma pergunta: será este tipo de mercado de trabalho flexível que queremos? Emotiva como é, a reflexão pode ter aparentemente algo de demagógico. Mas não pode ignorar-se que a desregulamentação do mercado de trabalho é um mundo sem fim de consequências imprevisíveis. Ultrapassado o limiar da norma, os demónios andarão à solta e com taxas de desemprego e nível de empobrecimento como o de hoje ninguém conseguirá prever até onde a atipicidade das situações de trabalho irá evoluir.
A segunda, mais racional, diz respeito a toda uma geração de trabalhadores ativos e desqualificados para a qual o país não tem solução, sobretudo agora que a queda irreversível da construção civil nos próximos 20 anos não deixa qualquer réstia de esperança. Dizia um dos emigrantes portugueses entrevistados em Bruxelas pelo Público: “O português é tipicamente um povo de biscateiros. Vai buscar dinheiro onde pode. E isso é válido aqui e em qualquer lugar”. Pura sabedoria da experiência vivida. Esta geração da desqualificação trabalhadora vai desaparecer sem que o país tivesse encontrado uma solução estável para a sua integração ativa. Participou em parte no universo das remessas de emigrantes. Os que tiveram mais sorte encontrarão nos sistemas de proteção social a subsistência para o seu período de inatividade. Outros talvez regressem procurando nas raízes uma fonte de subsistência possível.
E, voltando ao registo emocional, não posso deixar de recordar o meu compadre, José do Alberto, operário da construção civil, homem bom e trabalhador, morto soterrado algures numa obra pública de estrada, algures no Norte, e também sem uma indemnização condizente com o valor da vida.

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