Aceito de bom grado reconhecer os inúmeros méritos de Henrique Medina Carreira (acima caricaturado por Fernão Campos em http://ositiodosdesenhos.blogspot.com). Mas há mais coisas. Um dos problemas que ele tem é a híper-simplificação, a tendência para a vulgata; munido de papel e lápis e de máquina de calcular, não há mesmo quem o segure – ou, como diria Manuel Alegre, “ a mim ninguém me cala”…
E, no entanto… As contas estarão, na sua maioria, certas. A crítica terá, frequentemente, lógica. A intuição prospetiva fará, muitas vezes, sentido. Mas, apesar de tudo isso, a norma é que “sabe a pouco”, isto é, tudo se passa como se houvesse um “não sei quê” em falta. É, desde logo, a sobranceria de atitude – como quando afirma (“Olhos nos Olhos”, 13 de Fevereiro) que “não conheço na sociedade portuguesa ninguém que tenha escrito ou falado sobre isto e no estrangeiro também creio que muito pouca gente se tem preocupado com isso”. É, depois, o caráter rudimentar da aritmética, o mecanicismo das causalidades, a a-historicidade das análises, o desconhecimento das instituições ou o simplismo das acusações pessoais…
Exemplifico, recorrendo mais uma vez a uma sua afirmação de há dias: “A Europa, mesmo que venha a resolver a contento este problema que todos os dias nos aflige do euro, fica com um problema atrás que é aquele de que se não fala, que é o problema da crescente dependência energética do Ocidente e da industrialização da China e dos países da orla do Sudeste Asiático.” Enquanto o ouvia explicar deste modo – concorrência chinesa e sua penetração nos mercados ocidentais – o atual estado de coisas na Europa, dei-me a pensar: Sim, é óbvio, e depois? Era tal facto inevitável? Ou podia ter sido contrariado? E como e por quem? E como se articula isso com a facilitada adesão da China à Organização Mundial de Comércio (OMC)? E com o exercício concreto, ao longo dos tempos, da política comercial externa da União Europeia? E com os interesses económicos instalados, designadamente no interior dos países já não produtores dos bens de maior vantagem competitiva chinesa? Etc. Etc.
Daí que, sobre esta matéria, aqui queira deixar um pequeno contributo, também atravessado por um testemunho pessoal (participação ativa em diversos Conselhos de Assuntos Gerais e na Conferência Ministerial da OMC em Singapura, 1996 e 1997) mas especificamente focalizado na “foto de família” acima: aí surgem Leon Brittan, comissário europeu (da Concorrência, do Comércio e das Relações Externas, por esta ordem) de 1989 a 1999, e a sua equipa de assistentes integrando, entre outras personalidades que também vieram a ganhar notoriedade pública em Londres ou em Bruxelas, Nick Clegg, o atual líder do Partido Liberal e vice-primeiro ministro britânico, Ivan Rogers, o conselheiro europeu de Cameron e então chefe de gabinete de Brittan, ou Catherine Day, a liberal irlandesa que é secretária-geral da Comissão Europeia.
Trata-se, pois, da “vanguarda do liberalismo económico” na Bruxelas de então, como refere um artigo recente do “Financial Times” (“Brittan’s crew make case for liberal economics”); que acrescenta, citando um observador da época: “Ambos [os gabinetes de Brittan e de Delors] pensavam que estavam numa cruzada, e ambos eram extremamente bons. Era como assistir a uma batalha militar [sobre qualquer coisa, da liberdade de comércio e das ajudas de Estado a um mais forte mecanismo de controlo das fusões].” E trata-se, sobretudo, de um dos grupos objetivamente mais responsáveis pela abertura externa incondicional e unilateral da União Europeia no período em que as principais cartas da globalização neo-liberal se começaram a jogar. Um trabalho a que o trabalhista Peter Mandelson (comissário para o Comércio de 2004 a 2008) viria a dar continuidade e um renovado dinamismo. Para mal da Europa, digo eu… e acho que é o que diz também Medina Carreira!
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