terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

KRUGMAN EM LISBOA



No seio de tanta iliteracia económica, causaram algum alarido as palavras de Krugman em Lisboa. Sucintamente, o que foi entendido como uma contradição insanável foi a afirmação simultânea da defesa da não austeridade para o momento atual da política europeia e a ideia de que os salários em Portugal devem descer cerca de 30% em relação à Alemanha para podermos recuperar competitividade e ambicionar a aumento de quota no comércio internacional. Tudo isto num dia em que as exportações estiveram sob escrutínio, merecendo mesmo do Primeiro-Ministro a afirmação de que o exportador terá já superado a situação de crise. Mas de facto não há contradição nas palavras de Krugman.
A denúncia sobre os perigos da austeridade europeia é coerente e tem em consideração que os países atingidos pela crise das dívidas soberanas necessitam que a política europeia contrarie o mais possível a recessão instalada, embora “amena” como alguns observadores bondosos procuram assinalar. A assunção de um contexto de contração fiscal para toda a União Europeia e para a zona euro em particular prolongará o clima recessivo e tenderá a fazer diminuir o eventual impacto positivo sobre os mercados da dívida que a disciplina fiscal poderia provocar.

A referência ao caso português tem como pano de fundo a conhecida evolução desfavorável do custo unitário em trabalho da economia portuguesa face à economia alemã (ver gráfico OCDE acima apresentado). Este indicador é fruto de duas forças: os custos salariais e a produtividade. Ora, é essencialmente a produtividade que tem deteriorado o referido indicador. A economia portuguesa cometeu a “proeza” de mesmo em períodos de menor crescimento dos salários nominais perder competitividade e ver subir o custo unitário em trabalho. E porquê? Pelo péssimo comportamento da produtividade. Ora, o que Krugman vê é alguma incapacidade de fazer disparar essa produtividade, fazendo fé nos números mais recentes da economia portuguesa e por isso reconhece que, nessas condições, em termos macro e médios a recuperação do custo unitário em trabalho exigirá alguma diminuição salarial, relativa se os salários na Alemanha evoluírem mais proporcionalmente, absoluta no caso de isso não acontecer.
Como é óbvio, neste argumento macro não há espaço para uma possibilidade real: as exportações portuguesas penetrarem faixas de preços mais compensadores (pela sua qualidade intrínseca) e com esse ganho na cadeia de valor poderem também influenciar positivamente a produtividade. Essa mudança estrutural do perfil de especialização português pode acontecer mas é necessariamente um processo lento e não garantirá a curto prazo a desejada recuperação da competitividade.
Mas Krugman não analisa de facto o risco de uma desvalorização salarial poder comprometer os índices de inovação, pela via do incentivo a combinações produtivas recorrendo a quantidades mais elevadas de trabalho barato. É o que chamamos desvantagem comparativa dinâmica que pode anular a prazo os aumentos de competitividade salarial a curto prazo. E no momento em que a economia portuguesa se encontra não é risco para ser ignorado.

Sem comentários:

Enviar um comentário