No seio de tanta iliteracia económica, causaram
algum alarido as palavras de Krugman em Lisboa. Sucintamente, o que foi
entendido como uma contradição insanável foi a afirmação simultânea da defesa
da não austeridade para o momento atual da política europeia e a ideia de que
os salários em Portugal devem descer cerca de 30% em relação à Alemanha para
podermos recuperar competitividade e ambicionar a aumento de quota no comércio
internacional. Tudo isto num dia em que as exportações estiveram sob escrutínio,
merecendo mesmo do Primeiro-Ministro a afirmação de que o exportador terá já
superado a situação de crise. Mas de facto não há contradição nas palavras de
Krugman.
A denúncia sobre os perigos da austeridade
europeia é coerente e tem em consideração que os países atingidos pela crise
das dívidas soberanas necessitam que a política europeia contrarie o mais possível
a recessão instalada, embora “amena” como alguns observadores bondosos procuram
assinalar. A assunção de um contexto de contração fiscal para toda a União Europeia
e para a zona euro em particular prolongará o clima recessivo e tenderá a fazer
diminuir o eventual impacto positivo sobre os mercados da dívida que a
disciplina fiscal poderia provocar.
A referência ao caso português tem como pano
de fundo a conhecida evolução desfavorável do custo unitário em trabalho da
economia portuguesa face à economia alemã (ver gráfico OCDE acima apresentado).
Este indicador é fruto de duas forças: os custos salariais e a produtividade. Ora,
é essencialmente a produtividade que tem deteriorado o referido indicador. A economia
portuguesa cometeu a “proeza” de mesmo em períodos de menor crescimento dos salários
nominais perder competitividade e ver subir o custo unitário em trabalho. E
porquê? Pelo péssimo comportamento da produtividade. Ora, o que Krugman vê é
alguma incapacidade de fazer disparar essa produtividade, fazendo fé nos números
mais recentes da economia portuguesa e por isso reconhece que, nessas condições,
em termos macro e médios a recuperação do custo unitário em trabalho exigirá
alguma diminuição salarial, relativa se os salários na Alemanha evoluírem mais
proporcionalmente, absoluta no caso de isso não acontecer.
Como é óbvio, neste argumento macro não há
espaço para uma possibilidade real: as exportações portuguesas penetrarem
faixas de preços mais compensadores (pela sua qualidade intrínseca) e com esse
ganho na cadeia de valor poderem também influenciar positivamente a
produtividade. Essa mudança estrutural do perfil de especialização português
pode acontecer mas é necessariamente um processo lento e não garantirá a curto
prazo a desejada recuperação da competitividade.
Mas Krugman não analisa de facto o risco de
uma desvalorização salarial poder comprometer os índices de inovação, pela via
do incentivo a combinações produtivas recorrendo a quantidades mais elevadas de
trabalho barato. É o que chamamos desvantagem comparativa dinâmica que pode
anular a prazo os aumentos de competitividade salarial a curto prazo. E no
momento em que a economia portuguesa se encontra não é risco para ser ignorado.
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