Para mim, Mary Louise Streep – artisticamente rebatizada Meryl Streep – será sempre Karen Blixen, a baronesa de origem dinamarquesa de “África Minha” (“Out of Africa”). Axiomas são axiomas, ponto parágrafo.
Mas decerto que esta prévia "declaração de interesses" em nada contraria o óbvio: que Meryl é uma talentosa atriz e que Mary Louise é uma interessante mulher. Sobre o primeiro aspeto fala bem alto o continuado reconhecimento de toda uma carreira por parte da “indústria” (entre 2 “Óscares” e 17 nomeações para, “Globos de Ouro” e distinções da “British Academy of Film and Television Arts”, só referindo alguns prémios mais notórios), ainda que pessoalmente me reveja melhor a percorrer de modo avulso a minha amadora memória cinéfila: de “Kramer contra Kramer” ou “Manhattan” a “A Amante do Tenente Francês” ou “A Escolha de Sofia”, de “As Pontes de Madison County” ou “As Horas” a “Bastidores da Rádio” ou “Peões em Jogo”; e mesmo que não esqueça, mas lhe ressalve, várias passagens por filmes menores. Em relação ao segundo não posso senão ficar-me por uma impressão, necessariamente longínqua, de presença tranquila mas intensa, uma espécie de combinação entre uma atraente harmonia e uma contagiante energia.
Por estes dias, acedi a confirmações acrescidas sobre a atriz e a mulher. Refiro-me, quanto a esta, à sua magnífica entrevista a Rui Henriques Coimbra na última “Revista” do “Expresso” (“Meryl & Maggie – Duas Damas de Ferro”, 4 de Fevereiro). Respigo, “por ordem de entrada em cena”, algumas afirmações (ou tiradas) bem demonstrativas:
· “Lá em casa sou menos de ferro e mais a que passa a ferro! Isso sim, sou eu sem tirar nem pôr."
· “Já não é a primeira vez que descubro um bilhetinho escrito à mão com as iniciais DTM. Mais tarde, lá me aparecem outra vez as iniciais DTM. Havia umas iniciais novas em minha casa e eu sem saber de nada. Só há dias é que descobri. Quer dizer Don’t Tell Mom (risos). Inacreditável!”
· “Todos nós somos assim. Temos cá dentro as idades todas. Somos os velhos em que nos íamos transformar quando ainda éramos novos.”
· “Quem me dera poder estar sozinha apenas cinco minutos.”
· “Dias a fio a trabalhar [a primeira-ministra do Reino Unido]. Depois aparecia o marido para lhe dizer: ‘Ó mulher, não me digas que ainda não serviste nada a estes cavalheiros.’ Então lá ia ela. Para a cozinha. Preparar qualquer coisa para alimentar os subalternos.”
Quanto à atriz, aí está ela representando, de forma absolutamente magistral – são quase arrepiantes as serenas mudanças temporais na voz, no andar, na postura! – Margaret Roberts Thatcher em “A Dama de Ferro”.
Um filme cuja conceção e fluidez revela um “não sei quê” de feminino (a realização é de uma mulher, Phyllida Lloyd) e cuja riqueza, ao invés da limitada e pseudo-piedosa crítica que lhe dirigiu David Cameron – “Não podemos evitar interrogar-nos, porque temos de ter este filme
agora? É verdadeiramente mais um filme sobre o envelhecimento, a demência, do que sobre um extraordinário primeiro-ministro.” –, é precisamente a de ser uma espécie de “Thatcher sem Thatcherismo”. Ainda que Meryl tenha sublinhado que “na América de hoje, a Thatcher nunca seria vista como conservadora. Era a favor da escolha reprodutiva da mulher, reconhecia que o homem tinha causado danos na natureza e que era largamente responsável pelo aquecimento global.”
Remontando à lógica do “público e privado” que anima este blogue, o que releva do filme é a sua clara opção por abordar e descodificar a pessoa – aquela que, perante o pedido de casamento de Denis, lhe explicitou que “a vida de uma pessoa deve ter importância” (“one’s life must matter”), aquela que exclamou “temos de erguer-nos pelos princípios ou não nos ergueremos de todo”, aquela que o “trailer” apresenta numa sala de homens sugerindo “gentlemen, shall we join the ladies”, aquela que uma vez terá dito a Bush: “Não podem estar a colocar o direito da mulher na lista das batalhas políticas. Não é assunto político. Não é, sequer, um assunto cultural.”
A ver, num cinema perto de si…
Sem comentários:
Enviar um comentário