Na antecâmara de eleições e perante um quadro político parlamentar
que temos dificuldade em compreender, o processo de negociação de um segundo
resgate financeiro para a economia grega tem sido penoso de acompanhar à distância
(mais física do que emotiva). Se o é para quem o acompanha, imagine-se o calvário
de quem o suporta no dia a dia, mergulhado na espiral depressiva da chamada
desvalorização interna.
Já aqui sublinhei os aparentes SSS da Troika na negociação,
passando subitamente da pressão sobre as contas públicas para o corte de 20% do
salário mínimo, buscando por essa via (mais uma da retórica do crescimento que
tem acompanhado a abordagem à crise da dívida) a concretização de alguns ganhos
de competitividade. O braço de guerra que se desenha entre o Eurogrupo e as
forças políticas gregas, no prelúdio de um ato eleitoral que tem tudo para ser
explosivo, com a imposição, após o acordo inicial entre as forças políticas, de
um corte adicional de 325 milhões de euros ao orçamento já cheira a antecipação
da rotura. A relação de forças é desigual: é mais uma imposição de processo com
rendição incondicional do que propriamente uma negociação. Quer isto dizer que
provavelmente já todos os intervenientes internalizam as expectativas do
default e saída do euro e por isso procura-se salvar o impossível. E tudo isto,
pasme-se, para fazer descer o rácio da Dívida/PIB para 120% em 2020. Entretanto,
o BCE, fiel aos seus princípios, recusa participar no assumir do corte da dívida,
limitando-se a prescindir das mais valias que os títulos da dívida pública que
possui, avaliados em cerca de 40 mil milhões de euros.
Imaginar que o corte de 20% do salário mínimo grego
resolve o problema de competitividade da economia grega é não compreender que o
nível estrutural de competitividade de um país depende de relações complexas
entre condições de mercado e institucionais/organizacionais que não se alteram
pela simples alteração de uma peça num mecanismo complexo. Não discuto se o nível
do salário mínimo grego reflete ou não o nível de desenvolvimento do país. Em
democracia, esse valor resulta de relações de força geradas por uma dinâmica
social. Por isso, o ajustamento para a competitividade não se esgota num passe
de mágica, de sobreposição a essa dinâmica.
Num blogue que aproveito para divulgar, THE WILDER VIEW, de Rebecca Wilder, inserido no conhecidíssimo EconoMonitor de Nouriel Roubini, vale
a pena dedicar alguma atenção a um post recente (08.02.2012) “A obsessão não
fundamentada com o salário mínimo grego”.
Desde logo, tal como já aqui referi, os gregos são dos
que mais trabalham no seio da OCDE contrariando toda a construção de senso
comum que os apresentam com condições de trabalho ímpares. Depois, de 2009 a
2011, a Grécia apresenta uma descida de 5,3% nos custos de trabalho, bem
superior à “desvalorização” irlandesa que foi apenas de 1,8% (Portugal tem
neste indicador uma ligeira subida desse custo do trabalho). Esta descida
observa-se em confronto com um aumento desse custo de trabalho no período
2005-2008 bem inferior ao verificado na Irlanda que foi cerca de 14,7% e foi aliás
inferior ao da maioria dos países da UE, incluindo Portugal.
A comparação do salário mínimo grego com o português (ver gráfico acima elaborado a partir de informação EUROSTAT)
evidencia uma diferença bem favorável aos gregos e que a análise gráfica sugere
ter aumentado ao longo do tempo. Mas a perspetiva do salário mínimo em percentagem
da remuneração média mensal (ver gráfico abaixo, elaborado a partir da mesma fonte) torna claro que essa proporção tem vindo a descer,
embora com um aumento em 2011 que é mais explicado pela descida da remuneração
média do que pela muito ligeira subida do salário mínimo.
Neste longo calvário da sociedade grega, o corte do salário
mínimo parece ser apenas a ponta de um processo bem mais complexo de recuperação
de condições de competitividade. Ricardo Hausmann, diretor do Center for International Development da Universidade de Harvard, escrevia há dias no Financial Times
que, num universo de 128 países, a Grécia apresentava o maior desvio entre o nível
de rendimento atingido e o conteúdo em conhecimento das suas exportações, não
produzindo praticamente nem máquinas, produtos eletrónicos ou químicos. Problema
seguramente mais grave do que o valor do salário mínimo. Mas no mesmo artigo,
uma boa notícia emergia: a Grécia era no universo considerado a segunda
economia, atrás da Índia, a apresentar um maior potencial para começar a
exportar produtos mais complexos. Preciso de testar esta informação, analisar
mais em pormenor o estudo do CID de Harvard e compreender melhor o potencial grego. Mas a concretizar-se abre uma
linha de intervenção bem mais promissora do que a descida do salário mínimo. E
quanto a isso nada tem transpirado dos esforços da Troika.
Sem comentários:
Enviar um comentário