A situação grega atingiu um clima de suspeição, intriga,
bluff ou simplesmente de imposição a um conjunto de vencidos que liberta demónios
imprevisíveis. A caricatura cruel que circulou em alguns jornais europeus sobre
a peculiar relação da Chanceler alemã com a Grécia é sintomática do estado a
que se chegou na zona euro. Considero que esta caricatura é ainda mais ofensiva
do que a também divulgada imagem da Senhora Merkel em uniforme hitleriano. Mas
os demónios à solta não têm origem apenas nas diferentes formas de animosidade
para com a Alemanha. Eles libertam-se também no interior dos países mais
resistentes ao segundo resgate, que são além da Alemanha a Holanda e a Finlândia.
Tudo indica que o ponto de viragem foi atingido quando algumas dessas forças
resistentes ao segundo resgate interiorizaram que o default poderia ser
acomodado pela zona euro, o que é discutível, porque ninguém consegue antecipar
com este modelo de decisão e governança europeia se essa acomodação é ou não
possível. Um indicador fiável da fragilidade do modelo de decisão está na
delicada operação que subjaz ao segundo resgate, implicando a coordenação da
aprovação, em alguns países parlamentar, do resgate e a negociação praticamente
simultânea com os credores privados para um corte de 50% na dívida total grega.
Ousaria dizer que uma grande parte dos testemunhos
publicados na imprensa internacional sobre a inevitabilidade ou a possibilidade
de evitar o default grego provêm de gente com conflito de interesses acerca da
operação. O que também faz parte dos demónios libertados pela situação.
E para ajudar à confusão, circularam ontem e hoje as
primeiras notícias sobre fissuras no governo alemão acerca da inevitabilidade
do incumprimento grego. Ironia das ironias, a Senhora Merkel será no momento
atual o elemento do executivo alemão mais identificado com a viabilização de um
segundo resgate à economia grega, situando-se pelos vistos o Ministro das
Finanças Schäuble nos antípodas dessa posição. O que explicaria em parte a
conversa informal de Schäuble com Vítor Gaspar para os apanhados da TVI.
Por contraponto, a conversa revelaria afinal da parte de Schäuble mais
do que o apoio a Portugal a desistência da Grécia. Os sucessivos termos
impostos à Grécia para um possível acordo de resgate traduzem a procura de um
compromisso entre essas tendências, a da desistência e a da ajuda fortemente
condicionada. Mas com estes demónios à solta os efeitos destas duas soluções para a população grega
mais exposta e fragilizada começam perigosamente a
aproximar-se. O que significa que o que essa população tem a perder com uma ou
outra solução começa a não ser substancialmente diferente. Imaginem as consequências
desta aproximação do ponto de vista da convulsão social.
Sem comentários:
Enviar um comentário