quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

DEMÓNIOS À SOLTA




A situação grega atingiu um clima de suspeição, intriga, bluff ou simplesmente de imposição a um conjunto de vencidos que liberta demónios imprevisíveis. A caricatura cruel que circulou em alguns jornais europeus sobre a peculiar relação da Chanceler alemã com a Grécia é sintomática do estado a que se chegou na zona euro. Considero que esta caricatura é ainda mais ofensiva do que a também divulgada imagem da Senhora Merkel em uniforme hitleriano. Mas os demónios à solta não têm origem apenas nas diferentes formas de animosidade para com a Alemanha. Eles libertam-se também no interior dos países mais resistentes ao segundo resgate, que são além da Alemanha a Holanda e a Finlândia. Tudo indica que o ponto de viragem foi atingido quando algumas dessas forças resistentes ao segundo resgate interiorizaram que o default poderia ser acomodado pela zona euro, o que é discutível, porque ninguém consegue antecipar com este modelo de decisão e governança europeia se essa acomodação é ou não possível. Um indicador fiável da fragilidade do modelo de decisão está na delicada operação que subjaz ao segundo resgate, implicando a coordenação da aprovação, em alguns países parlamentar, do resgate e a negociação praticamente simultânea com os credores privados para um corte de 50% na dívida total grega.
Ousaria dizer que uma grande parte dos testemunhos publicados na imprensa internacional sobre a inevitabilidade ou a possibilidade de evitar o default grego provêm de gente com conflito de interesses acerca da operação. O que também faz parte dos demónios libertados pela situação.
E para ajudar à confusão, circularam ontem e hoje as primeiras notícias sobre fissuras no governo alemão acerca da inevitabilidade do incumprimento grego. Ironia das ironias, a Senhora Merkel será no momento atual o elemento do executivo alemão mais identificado com a viabilização de um segundo resgate à economia grega, situando-se pelos vistos o Ministro das Finanças Schäuble nos antípodas dessa posição. O que explicaria em parte a conversa informal de Schäuble com Vítor Gaspar para os apanhados da TVI. Por contraponto, a conversa revelaria afinal da parte de Schäuble mais do que o apoio a Portugal a desistência da Grécia. Os sucessivos termos impostos à Grécia para um possível acordo de resgate traduzem a procura de um compromisso entre essas tendências, a da desistência e a da ajuda fortemente condicionada. Mas com estes demónios à solta os efeitos destas duas soluções para a população grega mais exposta e fragilizada começam perigosamente a aproximar-se. O que significa que o que essa população tem a perder com uma ou outra solução começa a não ser substancialmente diferente. Imaginem as consequências desta aproximação do ponto de vista da convulsão social.

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