O incidente provocado pelas declarações
de Martin Schulz, líder do Parlamento Europeu, oportunamente trazidas para a
boca de cena pelo Público de hoje, suscitou uma ampla reação, mas a meu ver
induzidas por um título enganoso (“Líder do Parlamento Europeu junta-se a
Merkel nas críticas a Portugal”). Escrevo sem conhecer o esclarecimento que
Schulz terá avançado para divulgar o seu entendimento das suas próprias
declarações proferidas em debate, quase tertúlia, algures em Bruxelas, pelos
vistos.
Revi o vídeo publicado pelo Público e
parece-me uma interpretação bastante abusiva focar a intervenção de Schulz numa
eventual crítica ao governo português. O exemplo da notícia sobre a viagem de
Passos Coelho a Angola é de facto citada mas a meu ver a mensagem é mais
orientada para o interior da Alemanha e da União Europeia do que uma crítica à
política externa portuguesa. O que Schulz sublinha é uma denúncia, talvez menos
explícita do que se desejaria, sobre a ilusão que pode colocar-se aos países da
UE de procurar uma estratégia de internacionalização por sua livre conta e
risco. E talvez Schulz falasse para alguns centros de opinião alemã, porque não
a própria Merkel com a sua viagem recente à China. Claro que falar de ilusão e
de declínio potencial para os que buscam a sua salvação isoladamente noutras
paragens (Angola, por exemplo) implicaria um comportamento solidário no
interior da zona euro e UE (que a Alemanha parece dinamitar a todo o momento) e
sobretudo uma política externa comum que a desengonçada e baronesa Catherine
Ashton (alguém se lembra de uma ideia que seja desta senhora nos últimos
tempos?) parece incapaz de catalizar.
É verdade que Schulz no meio da sua
intervenção refere o paradoxo da antiga potência colonial ir procurar na antiga
colonizada o apoio de que Portugal carece em termos de investimento
estrangeiro. Novidade? Nenhuma. Toda a sociedade portuguesa não pode deixar de
achar estranha esta partida da história, dos mais conservadores à esquerda mais
radical, embora por motivos diferenciados. Será ainda que o investimento
angolano que tem entrado no País é o mais adequado para servir o atual momento
de transformação estrutural da economia portuguesa? Claro que não. Os
investimentos conhecidos estão no simples prolongamento do modelo económico de
afetação de recursos focado nos não transacionáveis (banca, telecomunicações,
media, por exemplo) e nada contribuem para o nosso posicionamento na cadeia de
valor internacional, sem qualquer incorporação de conhecimento relevante. Isto
não significa que entre a inteligência angolana não encontremos personalidades
com mais sentido do mundo e das redes globais do que muito boa gente cá pelo
burgo. Por conseguinte, uma trajetória desta natureza, se fosse exclusiva,
conduziria inevitavelmente ao declínio. Tanta reatividade, porquê?
Mas por detrás desta questão, um pouco
oculta, está alguma confusão sobre a estratégia de internacionalização, de
dentro para fora (outward) e de fora para dentro (inward). Aliás, apesar do
iluminado Jorge Braga de Macedo se ter interessado, a pedido, pela diplomacia
económica e estratégia de internacionalização, não se conhece qualquer
posicionamento estratégico claro, transmitido aos portugueses, pela governação
atual. Pesca-se à linha. E no seio desta indefinição subsiste uma confusão que
nos pode sair caro. Concretizo. Admitir que negociar investimento direto
estrangeiro que interessa atrair ao país e apoiar estrategicamente a
internacionalização das empresas portuguesas no exterior é a mesma coisa pode
ser ruinoso. Por outras palavras, admitir que negociar ou atrair uma CISCO ou
uma MICROSOFT é o mesmo que apoiar uma empresa portuguesa a localizar-se no
Brasil, Angola, Estados Unidos ou onde quer que seja é pura ignorância. E
admitir que ambas as operações são suscetíveis de ter o mesmo poder de
coordenação ou de governance prolonga essa ignorância. E admitir ainda que os
nossos embaixadores serão os interlocutores de uma CISCO, MICROSOFT ou NISSAN é
ingenuidade bastante.
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