A conversa informal captada
pelos vistos pela equipa da TVI entre os Ministros das Finanças de Portugal (Vítor
Gaspar) e da Alemanha (Wolfang Schäuble), em Bruxelas, na antecâmara da reunião
do Eurogrupo, é em si uma delícia, pois desconstrói em segundos discursos
cuidadosamente elaborados durante longo tempo. Sempre achei que o mundo das
relações pessoais, empatias ou simples embirrações que se desenvolvem nos
bastidores das grandes cimeiras ou da diplomacia em geral é fascinante e pesa
mais do que o vulgar dos mortais admite como possível. João Cravinho dizia ontem
na SIC que Wolfang Schäuble é um dos sobreviventes da política da velha Europa,
com larga experiência de trabalho ainda na vivência de Khol e, por isso, um dos
poucos políticos que pode na Alemanha assegurar uma transição entre os dois
universos e lidar seja com a opinião pública alemã de hoje, seja com os seus
pares de última geração e sem memória política.
As imagens e as palavras gravadas
desconstroem por antecipação todos os desmentidos, inflexões de discurso ou a
simples crucificação da TVI que lhe possam suceder. A imagem é muito forte e a
figura de Schäuble ajuda ao peso da situação. Interrogo-me sempre o que é que
estes mergulhos nos bastidores trazem à relação do cidadão que vê televisão ou
lê jornais com a política. Humanizam-na? Ou cavam mais funda a separação entre
o ritual da política e o modo como o referido cidadão percebe esse ritual? Costumo
dizer, um pouco em estilo jocoso, que a imagem mais dramática de um governo é a
fotografia do mesmo em traje de passeio para assinalar uma qualquer reunião
informal do Conselho de Ministros. O que, num governo escandinavo, por exemplo,
seria uma fotografia normal, nos nossos governos a informalidade é, por vezes,
assustadora. Por isso, para além da chicana política que uma situação de
informalidade como a de ontem em regra desperta, não deixo de me interrogar
qual é o seu verdadeiro impacto na relação do cidadão com a política.
No título deste post aparece um
nome inesperado, Keynes, recriando um trio aparentemente sem sentido. Mas até
tem uma forte conotação com o tema, como explicarei de seguida.
No momento presente, estou a
reler uma obra que, Paul A. Volcker antigo Presidente do Banco da Reserva Federal
americano e ilustre economista, classifica como sendo uma obra que deveria
fazer parte da biblioteca de qualquer estudioso do mundo dos negócios que se
preze. A obra é “The Economic Consequences of the Peace” (As consequências económicas
da paz) de John Maynard Keynes. Nesta obra, como observador atento e
interessado desse processo, Keynes desenvolve a sua profunda preocupação sobre
as consequências económicas do Tratado de Versalhes que definiu as condições do
acordo que colocou em forma de tratado e que se seguiu ao Armestício (não uma
rendição incondicional dos Alemães na 1ª Guerra Mundial).
A releitura desta obra é crucial
para entender o que já era na época a perceção de Keynes quanto ao equilíbrio
mundial e à necessidade de afirmar a Liga das Nações como um esboço de
governance da economia mundial. Por paradoxal que pareça, Keynes insurge-se
contra as condições impostas à economia alemã e aos seus cidadãos por
negociadores incapazes de perceber as consequências a longo prazo da devastação
a que a economia alemã iria ser submetida. Uma perspetiva de Keynes algo premonitória
do que iria acontecer no período que se desenrolou até à Segunda Guerra Mundial
e que iria prevalecer no pós “2ª Guerra Mundial”. É irónico que Keynes
desenvolva na época em relação aos alemães uma posição que estes são incapazes
de concretizar em relação aos países em divergência no interior da zona euro: a
perceção do todo, ou seja da economia mundial.
Mas a relação de Keynes com o diálogo
informal entre Gaspar e Schäubel tem que ver sobretudo com a preciosa análise psicológica
e de comportamento que Keynes realiza como elemento participante no longo
processo negocial dos principais intervenientes no processo. De que figuras da
história estamos a falar? Do Presidente Woodrow Wilson (EUA) que Keynes chama
de Presidente, do Presidente George Clemenceau (França), do Primeiro-Ministro
Lloyd George (Reino Unido) e do Primeiro Ministro Signor Orlando (Itália). É
espantoso o modo minucioso como Keynes analisa as personagens, os seus traços
de caráter, as suas incompatibilidades linguísticas para as conversas bilaterais,
a sua estratégia de argumentação e negociação, os seus valores morais. É como
se estivéssemos nos bastidores, não com a TVI ou qualquer paparazzi de momento,
mas pela via de um economista de uma cultura imensa, de fina observação e de
uma profunda compreensão sobre os mecanismos dos equilíbrios mundiais. Tal como
o próprio Volcker o assinala, Keynes analisa em pormenor como é que a dinâmica
da negociação e dos comportamentos dos que nela pontificaram acabaram por
anular e não capitalizar a profunda autoridade moral com que o Presidente
Wilson chegou a essa negociação.
Não resisto a reproduzir uma
citação que o próprio Volcker destaca na introdução à versão que tenho entre mãos:
“Uma política que reduz a Alemanha a um estado servil durante uma geração,
de degradação das vidas de milhões de seres humanos e de privação da felicidade
para toda uma nação é repugnante e detestável – repugnante e detestável mesmo
que fosse possível, mesmo que nos enriquecesse, mesmo que não semeasse o declínio
de toda a vida civilizada da Europa … As nações não estão autorizadas, pela
religião ou por quaisquer princípios morais, a projetar nos filhos dos seus
inimigos os erros dos seus pais ou governantes”.
Que lucidez! “As Consequências Económicas
da Paz” devia ser uma leitura obrigatória para qualquer político alemão. Um
pouco de história para compreender os desequilíbrios de hoje na zona euro.
Sem comentários:
Enviar um comentário