Nos tempos que correm, escolher bem os padrinhos é pura
sabedoria. Mas também é sensato escolher bem os afilhados. Tudo isto é suscitado
pela entrevista ao Público de hoje de Rogério Gomes, presidente do recém-criado
Instituto do Território, apresentado em público como uma rede de conhecimento
na área do ordenamento do território, apadrinhada em público pelo 1º Ministro
Passos Coelho.
O título da entrevista “Comissões de Coordenação são obstáculo
ao desenvolvimento” não é provavelmente da responsabilidade de Rogério Gomes,
mas é com essa nota que a entrevista vai ser lida, até porque nela há
uma afirmação explícita nesse sentido: “Acho que hoje as CCDR representam um
obstáculo ao desenvolvimento”.
Estou com curiosidade em saber o que pensam desta afirmação
e do teor da entrevista pessoas que muito prezo como Luís Valente de Oliveira,
José Silva Peneda, Arlindo Cunha, Luís Braga da Cruz, Manuel Porto, António Fonseca
Ferreira, João Guerreiro, João Cordovil, pelo menos, para não falar dos
profissionais que continuam a laborar nestas instituições prestigiadas.
Pela minha parte, estamos perante uma entrevista com
alguma baralhação de ideias. Apresentado como uma rede de conhecimento, o
Instituto está muito longe de congregar o conhecimento mais relevante sobre a
matéria seja na academia, na profissão ou mesmo na administração. Sem
menosprezo pela iniciativa, a sociedade civil deve emergir naturalmente, a rede
equivalerá a uma segunda ou terceira liga, nunca a uma primeira liga do conhecimento
em Portugal sobre o ordenamento do território, suficientemente plural e
verdadeiramente representativa de todas as tendências de pensamento sobre o
tema.
A tese de Rogério Gomes assenta na ideia de que a
capacidade de gestão dos fundos comunitários das CCDR é reduzida senão inexistente.
E avança com afirmações pesadas: “Tudo ali cai, tudo se atrasa, os processos são
obscuros, o incumprimento de prazos é generalizado”. Na argumentação de Rogério
Gomes há uma séria confusão entre a gestão dos Programas Operacionais Regionais
(a cuja Direção Executiva os Presidentes das Comissões presidem por inerência)
e a intervenção das CCDR que têm competências próprias, no âmbito das quais
emerge a sempre difícil de concretizar capacidade de coordenação no território
de uma administração segmentada, vertical e frequentemente em roda livre. Aliás,
tenho defendido que, paradoxalmente, a capacidade de concertação estratégica
exercida pelas CCDR tendeu a diminuir a partir do momento em que por inerência
de funções começou a gerir fundos comunitários a nível regional. E há uma
explicação para tal: enquanto que sem Fundos Estruturais a concertação estratégica
era exercida em ambiente regional sem grande interferência central, a gestão
dos programas operacionais regionais desenvolve-se numa lógica de programação. A
experiência mostrou que, progressivamente, a ação mais nobre das CCDR, a da
concertação estratégica no quadro de territórios específicos, foi sendo
suplantada pelo aparato da gestão de fundos e por uma lógica de regulamentação
que frequentemente lhes é estranha. A experiência do atual QREN, no qual a
pesada regulamentação constitui um instrumento de sobrevivência do poder setorial
de uma máquina de administração central fortemente segmentada, evidencia bem
essa transferência oculta ou implícita de funções para o domínio da
burocratização.
Por outras palavras, os sucessivos poderes políticos, à
esquerda e à direita, nunca foram capazes (ou nisso não estiveram interessados)
em concretizar todo o potencial de territorialização de políticas públicas que
as CCDR representam, acaso houvesse vontade política em dotá-las de recursos
humanos e de margem de manobra e independência para o fazer.
Rogério Gomes avança ainda com o desabafo comum a outros
testemunhos de que “antes de saber o que fazer com os níveis de administração,
deve ser definido o que se quer para o país”. Ora, a este respeito a situação
atual é de um flagrante deserto de ideias. Como não se avançou uma ideia de
futuro, não há naturalmente nenhuma ideia do que o território nacional, pequeno
mas diverso, pode oferecer para concretizar essa ideia de futuro. Mas o
presidente do IT parece esquecer que existe uma coisa que se chama Lei de Bases
do Ordenamento do Território e um Programa Nacional de Política de Ordenamento
do Território (PNPOT) que é necessário declinar em Planos Regionais de
Ordenamento do Território (alguém explica a não publicação dos PROT Norte e
Centro e porque é que nem sequer a Conselho de Ministros foram?).
Com tanta baralhação de ideias, Rogério Gomes não
compreende que comunidades intermunicipais ativas e CCDR não são incompatíveis,
antes pelo contrário, haja vontade política efetiva de descentralização e de
abertura legítima a trabalhar com o território de baixo para cima. O poder de
concertação estratégica de uma CCDR não é necessariamente desvalorizado
valorizando o papel das comunidades intermunicipais, antes pelo contrário a
coloca no nível superior adequado. Mas atribuir concertação estratégica a uma
CCDR tem claramente riscos, sobretudo para quem não quer assumir os riscos da
descentralização com recursos e competências adequadas.
Mas a entrevista pode querer dizer algo mais. Não
estaremos perante mais uma experimentação nos media do que virá aí em matéria
de organização espacial e de territorialização do desenvolvimento? O impasse que
se tem vivido na nomeação de novos responsáveis para as CCDR sugere alguma
desvalorização do papel das CCDR. O não início da preparação do próximo período
de programação (o próximo QREN) em tempos de grandes mudanças das políticas de
coesão anuncia que essa preparação acontecerá com atraso e em tempo curto,
condições que no modelo português atiram decididamente para um processo
altamente centralizado. Por isso, oxalá me engane e não seja apenas baralhação
de ideias. Porque pode ser gato escondido com rabo de fora. Continuo curioso em
imaginar como é que a qualidade inequívoca de alguma base autárquica do PSD vai
reagir a essa desvalorização do território e da concertação que nele pode ser
operada.
Gostei francamente deste testemunho corajoso.Esta rede necessita de ter uma noção um pouco "mais vivida" e activa do que é a dimensão territorialista das politicas, e das interaçções com os desenvolvimentos / governos local e regional.Fiquei admirado com a composição dos orgãos da rede do IT e suas declarações de intenções, que constam do site proprio. Um abraço
ResponderEliminarRodrigo Meireles