Estava convencido que o primeiro post a ser colocado
neste espaço com reflexão sobre o pensamento e intervenção da Igreja neste
período muito particular da vida portuguesa e europeia em geral seria uma nota
sobre um documento recentemente emanado da Conferência Episcopal Europeia que
mão amiga teve a amabilidade de me fazer chegar. Um dia destes regressarei a
esse documento. Mas não resisto a comentar a entrevista de D. Manuel Monteiro
de Castro ao Correio da Manhã, profusamente divulgada em toda a imprensa
diária, novo cardeal português e diplomata.
No meu código de cautela, qualquer entrevista ao Correio
da Manhã é analisada com ponderação, dada a sua política editorial. Porém, a
entrevista ao Jornal de Notícias mantém o mesmo registo, o que é um indicador
de persistência da ideia. Para além disso, não me apercebi de qualquer correção
nem do jornal, nem do próprio, provavelmente mais preocupado com a cerimónia de
Roma e com a entrega do anel e do barrete cardinalício do que com as
repercussões da entrevista.
Não está em causa a justificada reivindicação de um maior
apoio público à família e os receios também compreensíveis com os riscos da sua
dissolução. Mas afirmar o valor da mulher trabalhar em casa e defender que o
trabalho a tempo completo da mulher não é útil ao país, sendo mesmo negativo,
já representa uma auto-marginalização face à evolução social e, diria mesmo, um
retrocesso cultural. A justificação explicitada de que a mãe é a principal
educadora, que é ela que forma os filhos, parece-me ser uma contradição
inequívoca com o papel da família no processo educativo. Mas afinal não é o
casal que deve proporcionar as condições educativas e de socialização adequadas
aos filhos, na plena aceção da relevância que a Igreja atribui à família?
Uma posição desta natureza expressa por alguém,
diplomata, tido como moderado a quem a imprensa atribui o foco de críticas do
Arcebispo de Madrid por ensaiar demasiadas pontes com o Governo de Zapatero,
anuncia uma Igreja mais preocupada com as condições propícias à sua reprodução
como instituição do que com as condições sociais e de vida do seu povo.
Compreende-se que a mulher tradicional, dedicada à casa e aos filhos, tem
provavelmente uma ligação mais frequente à prática religiosa. Mas invocar essa
simples possibilidade com o argumento de que esse estatuto é favorável à
educação dos filhos toca o conservadorismo mais fechado à evolução social.
Compreenderia que D. Manuel Monteiro de Castro
manifestasse preocupação pelas 334 700 mulheres desempregadas de acordo com os
números oficiais do Inquérito ao Emprego INE do 3º trimestre de 2011, com maior
peso no escalão etário de mais de 45 anos, mas também pesado no escalão dos 25
aos 34 anos. O desemprego feminino constitui, isso sim, um dos mais violentos
retrocessos sociais que se abaterão sobre a sociedade portuguesa se estes
números não forem invertidos em tempo útil, isto é, a tempo de permitir a
reinserção social ativa dessas mulheres. Não é difícil compreender que a
educação dos filhos é sobretudo um processo de socialização, no qual as
condições de trabalho dos pais e não apenas da mulher constituem um elemento
crucial do próprio processo educativo.
Compreenderia que D. Manuel Monteiro de Castro estivesse
preocupado com o recuo da fertilidade e com a redução da dimensão média da
família e sobretudo com a ausência de condições favoráveis para que essa
fertilidade recupere para níveis mais aceitáveis.
Compreenderia que o trabalho a tempo parcial fosse
encarado como uma opção possível de qualidade de vida, se o nível de rendimento
e de proteção social (países escandinavos) o permitirem.
Mas o novo cardeal português parece mais identificado com
a recuperação de um tempo de subalternidade da mulher na sociedade do que com
os problemas reais que condicionam a sua qualidade de vida. A interpretação
benigna é que em semana de anel e barrete cardinalício a sua atenção estivesse
mais em Roma e nas já divulgadas notícias de mal-estar e de lutas pelo poder noVaticano do que nos problemas que afetam o dia a dia das mulheres portuguesas.
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