De quando em vez, emergem sinais de um
outro país, mais promissor, cosmopolita, confiante, sem teias de aranha,
liberto das tribos ideológicas e partidárias e dos interesses corporativos. Sexta
feira à noite (Expresso da Meia Noite – SIC Notícias) e hoje, sábado, Jornal Público,
tivemos evidências desse país latente, que não sabemos se chega para contrariar
a inércia que alguns julgam endémica. Na sexta, embora sem representação institucional
da jovem ciência a norte do Tejo (não é por mal é por hábito de desinformação),
foi possível confirmar a lucidez de uma nova geração de cientistas portugueses.
Hoje, no Público, confirma-se o lento mas consolidado despertar das Universidades
para os “start-up’s”, isto é para a capacidade
de transformar em valor e procurar o “good
value for money” o novo conhecimento produzido no âmbito da ciência global.
Jovem ciência e start-up’s são mundos diferentes embora se intersetem em alguns
casos. Mas vale a pena refletir um pouco sobre estes dois mundos e sobretudo
sobre a necessidade de encontrar fatores de amplificação e disseminação destes
sinais.
Dos contributos do programa de
sexta-feira, ou seja, da lucidez da jovem ciência destaco os seguintes
elementos:
- Confiança de quem é reconhecido na ciência global;
- Perceção dos mecanismos e desafios dessa ciência global;
- Conhecimento das dificuldades da sociedade portuguesa conviver fluidamente com a meritocracia (dizia o investigador do Instituto Gulbenkian de Ciência que “a não procura dos melhores e a não disponibilidade das instituições para concorrer pelos melhores lhe causava impressão”, pois esse é o resultado da ausência de uma cultura de mérito);
- Reconhecimento generalizado de que a recente visibilidade da jovem ciência portuguesa é o resultado de uma aposta consistente a longo prazo de política pública iniciada há cerca de 20 anos);
- Receio também generalizado de que essa aposta consistente de longo prazo possa não resistir à consolidação fiscal imposta à sociedade portuguesa
Do fenómeno dos start-up’s universitários, destaco a dinâmica e energia do
empreendimento a norte, com relevo para as Universidades do Porto e do Minho,
mas com dinâmica também crescente em Coimbra e em Lisboa. Trata-se de um
processo com emergência lenta sobretudo devido ao ambiente universitário desfavorável
no âmbito do qual ele germina. Num artigo que publiquei com o meu filho Hugo Figueiredo nos Cadernos Sociedade e Trabalho do Ministério do Trabalho e da
Solidariedade Social, “Instituições e Políticas Públicas para um Novo Paradigma
de Inovação e Qualificações na Economia Portuguesa” (2005), caracterizava esse
ambiente desfavorável com os seguintes traços:
- Ausência de cultura de mérito;
- Inexistência de estímulos remuneratórios e de carreira para favorecer a chamada investigação de translação (orientada para a criação de valor);
- Baixa capacidade organizativa orientada para a geração e registo de patentes científicas e tecnológicas;
- Reduzida disseminação do espírito de assunção de riscos no ensino universitário, com fraca propensão para uma lógica de resolução de problemas;
- Estrutura de poder universitário que tende a dificultar o rejuvenescimento de orientação de estratégia e de decisão.
Com este ambiente desfavorável, a dinâmica
observada traduz sobretudo a resiliência de quem tem ideias e capacidade de
iniciativa e em meu entender, a influência dos chamados inter-faces universidade-empresa
que foram sendo criados e disseminando no interior da instituição universitária
o bichinho da inovação e a perspetiva da procura do “good value for money” para
o conhecimento.
Os mundos de sexta-feira (a jovem ciência)
e do Público de hoje (os start-up’s)
não estão ainda devidamente integrados. Não se pode pedir aos jovens
investigadores libertos e cosmopolitas que vieram ao Expresso da Meia-Noite que
tenham necessariamente espírito de empreendimento empresarial. Uns podem ser sensíveis
a essa aventura. Outros não. Pelo que a integração necessária é de natureza
institucional e organizacional.
As nuvens mais escuras que pairam sobre
estes dois mundos são essencialmente duas:
- Do ponto de vista político, não está visível uma linha de rumo sobre a integração destes dois mundos, o que não deixa de ser paradoxal pois temos um Secretário de Estado de grande nível e ele próprio um start-up bem sucedido a partir da Universidade do Minho; provavelmente mais um mistério em torno de um Ministério da Economia demasiado amplo e segmentado;
- Não é seguro que haja condições políticas para prosseguir a aposta consistente de 20 anos na valorização da jovem ciência portuguesa.
Seria bom não condenar ao fracasso os
reduzidos fatores de esperança num país diferente. Conduzir esta “energia” à
emigração seria trágico.
Vale a pena recordar os Rolling Stones: Start me up. Quem será capaz de o assegurar?
Existe um mecanismo que, aplicado a todos os níveis (escola, trabalho, etc.) permitiria verdadeiramente a meritocracia: testes absolutamente anónimos que nunca permitissem ao avaliador saber quem era o avaliado (o modo mais absoluto de conseguir este resultado é testes em que o computador selecciona aleatoriamente e em tempo real questões de um banco de dados e valida os resultados; mas existem outros).
ResponderEliminarSó que em Portugal mesmo os mais "honestos" descobrem sempre "problemas" neste tipo de avaliação...