Com o post de hoje do Freire de Sousa sobre o filme Iron
Lady ficámos a saber que este blogue tem um novo elemento de identificação, Meryl
Streep. Sou dos que chora com o fim das Pontes de Madison County e África Minha
persistirá talvez como sendo a minha única imagem de um Continente que talvez
nunca chegue a visitar. Por isso intitular um novo post de “Um copo de vinho”
poderia significar beber a esse novo elemento de identificação entre pelo menos
dois elementos do corpo editorial. Poderia mas não é essa a intenção.
Já há dias um artigo no New York Times designado de “One Sip Says Portugal (Um pequeno trago de Portugal)” de Eric Asimov me tinha
chamado a atenção. Mas na Fugas de hoje um artigo de Pedro Garcias volta ao
tema do artigo e é bem oportuna a sua reflexão. Esclareça-se que o vinho está
para mim como a música. Sem formação específica sobre as duas matérias,
limito-me a desfrutar, combinando intuição com alguma racionalidade. E no caso
do vinho há um outro elemento que vale a pena referir para contextualizar o
post de hoje. Uma das minhas últimas experiências profissionais mais
estimulantes foi há cerca de dois anos e pouco coordenar a elaboração de um
plano estratégico para os vinhos do Douro e do Porto, tendo como cliente o Instituto
dos Vinhos do Douro e do Porto. Tendo a finalização do trabalho coexistido com
o início da Grande Recessão os Estados Unidos e sua extensão à economia
mundial, creio que o alcance operacional do plano terá ficado algo
comprometido. Mas apesar dessa contrariedade e das posteriores duas mudanças na
direção do IVDP, o contacto profundo que o trabalho me permitiu realizar com a
multiplicidade de atores, interesses e instituições do Douro deixou marcas e, já
com alguma distância, não deixa de contextualizar tudo o que tenho lido e
comentado sobre a região e mais particularmente sobre o seu ativo específico
mais relevante – a economia do vinho e o terroir que lhe anda associado.
Tal como Pedro Garcias o assinala, o artigo de Asimov no
NYT é sugestivo sobretudo na medida em que contrasta bastante com classificações
de revistas mais especializadas como, por exemplo, o Wine Spectator. Na
apreciação de Asimov, salta à vista a posição cimeira obtida por vinhos de
preço médio-baixo (como o Douro Lavradores de Feitoria 2009, 12 dólares nos EUA)
relegando vinhos de topo como, por exemplo, o Pintas (81 dólares nos EUA), para
posições inferiores e não classificando vinhos como o Vale Meão 2006. Garcias
tem toda a razão em refrear a euforia que esta classificação terá provocado
entre as gentes do setor/região. Não deixa de dar algum gozo a um pobre mortal
como eu, que não pode dar-se ao luxo de beber nas suas refeições um copo de Pintas
ou de Vale Meão, ver bem classificado um vinho como o Lavradores de Feitoria,
com preço acessível a quem não abdica de beber um copo sossegado em casa, nas
suas refeições diárias, afinal o mais saudável ansiolítico que se pode
encontrar. Aliás, embora a um preço no mercado nacional que já não pode
considerar-se muito acessível ao copo de vinho diário, a excelente classificação
recente do Vallado Touriga Nacional 2009 obtida ainda há bem pouco tempo nos
EUA (curiosamente agora não classificado por Asimov), ia na mesma linha de
valorizar a qualidade-preço de vinhos que não estamos habituados a ver no topo
das classificações.
Mas se o gozo der espaço a uma reflexão em termos de
vantagem competitiva, ou seja, de racionalidade estratégica, o artigo de Asimov
vem repor o velho problema do Douro. É claro que o espaço de penetração dos
vinhos do Douro no mercado nacional está longe de estar plenamente aproveitado.
Mas, em período de empobrecimento que o país está a atravessar, o consumo saudável
de vinho irá diminuir, a relação com a cerveja vai voltar a níveis de há alguns
anos e, por isso, a lógica do mercado interno está naturalmente fragilizada. Tal
como noutras atividades, só os mercados externos poderão garantir a
sustentabilidade da economia do vinho da região, exigindo sempre, de qualquer
modo, a resolução da questão social do Douro que me merecerá neste espaço
alguma reflexão futura. Sabendo que o terroir do Douro tem alguns constrangimentos
para viabilizar grandes escalas de produção, compreende-se a tese de Garcias: “O
Douro não deve ter como vocação produzir vinhos baratos e bons, mas sim vinhos
bons, exclusivos e caros”. Este confronto entre o reconhecimento-preço e o
reconhecimento-valor está no coração de uma estratégia para o Douro e de uma
mais eficaz segmentação mercado interno versus externo. A questão situa-se nas
margens de manobra existente para minimizar os constrangimentos da escala de
produção. Não acredito que a má pontuação do Pintas ou a não classificação do
Vale Meão na lista de Asimov comprometa os segmentos de mercado em que se
situam. Mas estes vinhos que geram um valor unitário elevado dificilmente poderão
aspirar a um incremento significativo da sua escala de produção. Por isso, a
exploração de nichos de mercado externo para vinhos como o Douro Lavadores de
Feitoria 2009 (5º na classificação de Asimov) também faz parte de uma estratégia
de sustentabilidade para o Douro. Sobretudo, porque o projeto Lavradores de
Feitoria evidencia como uma experiência cooperativa de raiz pode ser viável.
Mais discutível no artigo de Garcias é a tese de que a
classificação de Asimov contém uma preferência implícita por “vinhos bem
feitinhos, frutados e macios, de estilo Novo Mundo”. A discussão profunda desta
tese deixo-a para os especialistas e para os blogues especializados sobre o
tema. Garcias argumenta com base num vinho que não conheço, o Palestra (Dão
Sul) e também no Douro Lavradores da Feitoria. Mas será que o Niepoort Redoma
Tinto 2008 (1º classificado) será “um vinho bem feitinho, frutado e macio, de
estilo Novo Mundo”? Não me parece, mas os especialistas que o digam.
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