quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

DESCONFORMIDADES



Um dos mais respeitados arautos do comércio livre e da globalização, o professor indo-americano de Economia (Universidade de Columbia) Jagdish Bhagwati (“In Defense of Globalization”), saíu anteontem à liça contra Obama num artigo do “Financial Times” a que deu o violento título de “Shame on you, Mr Obama, for pandering on trade”. O seu ponto pode ser resumido, grosseiramente, numa denúncia do que designa por “duas falácias caras”, que cita do discurso presidencial sobre o Estado da União: “Não voltaremos a uma economia enfraquecida pelo ‘outsourcing’” e “Esta noite, quero falar sobre uma economia construída para durar, uma economia assente na indústria transformadora”. Ora, afirma Bhagwati, não apenas o “outsourcing” não constitui o “papão” que se agita (quer pelos impactos em presença para além dos primários quer pelos consideráveis níveis paralelos de “insourcing” observados) como sobretudo a “rendição ao fétiche industrial é um desastre”.

Os assuntos têm importância também para nós e para a nossa mais modesta realidade. O primeiro esteve na ordem do dia há mais de uma década, quando muitas empresas portuguesas ensaiaram formas de posicionamento internacional mais agressivas e remuneradoras e os “velhos do Restelo” de então vieram sublinhar uma alegada relação perniciosa entre internacionalização e emprego. Já o segundo se apresenta com um visível grau de atualidade, designadamente em vista da generalizada identificação dos malefícios de um modelo de crescimento económico excessivamente baseado nos chamados “bens não transacionáveis” – então e agora, a dias de Medina Carreira explorar no seu programa da TVI 24 uma tese centrada no declínio do Ocidente e na sua relação com a desindustrialização, vem o tutor científico de Luís Campos e Cunha dizer-nos que “a noção de que a indústria transformadora é mais produtiva do que os serviços não é suportada pela investigação”? A problemática é séria e merece aprofundamento…

Curiosamente, e embora num outro registo, o conhecido colunista do “New York Times” Thomas Friedman (autor de vários “best-sellers”, com destaque para “O Mundo é Plano”) publicara dias antes (28 Janeiro) um artigo, que designou por “Made in the World”, em que respondia “avant la lettre” a Bhagwati: “existe hoje um ‘gap’ enorme entre o modo como muitos CEO’s americanos – não de tipo Wall Street, mas pessoas que lideram companhias importantes que fazem coisas e criam empregos reais – olham para o mundo e como o congressista ou senador médio ou o presidente olham para o mundo. Eles estão a olhar literalmente para dois mundos diferentes (…)”. Concretizando: “Os políticos vêem o mundo como blocos de votantes vivendo em geografias específicas – e vêm o seu trabalho como maximizando os benefícios económicos dos votantes na sua geografia. Muitos CEO’s, não obstante, vêem crescentemente o mundo como um lugar onde os seus produtos podem ser produzidos em qualquer sítio através de cadeias de valor globais (frequentemente assemblados por trabalhadores não sindicalizados/protegidos) e vendidos para toda a parte.”

Toda a diferença entre um “made in America” e um “made in the world”, pois; só que parece ser cada vez mais este e não aquele o mundo em que vivemos, o que redunda na perceção de uma matriz de raciocínio político que já não apreende o fundamental (e que Friedman traduz por uma máxima participação em “links” globais e por um saldo que sinteticamente exprime num “if we get our share, we’ll do fine”). Outra problemática que é séria e merece aprofundamento…

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