(Com a devida vénia ao The Economist)
Vários elementos têm surgido nos últimos
dias que anunciam que os resultados conseguidos nas economias sob resgate
financeiro como a Irlanda e Portugal podem não ser suficientes para as tornar
imunes aos efeitos que a crise das dívidas soberanas gerou na sustentabilidade
da zona euro. Em meu entender, temos aqui uma clara demonstração de que a
inconsistência da abordagem ao todo pode comprometer irremediavelmente as melhorias
no tratamento das partes.
No caso da Irlanda, o Boletim trimestral do Banco Central (1º trimestre de 2012) sublinha que a recuperação
observada na economia irlandesa poderá ser seriamente penalizada pela
instabilidade global da zona euro, com a taxa de desemprego a oscilar
ligeiramente acima dos 14% e perspetivas de descida do Produto Nacional Bruto
de cerca de 0,7%. Mas que recuperação! Mas, numa nuance que não escapou ao Financial Times, o Banco Central afirma preto no branco que a melhoria da
competitividade da economia irlandesa se deveu mais à depreciação do euro (em
relação ao dólar e a outras moedas) do que à descida salarial. Esta evidência é
relevante pois vem confirmar o meu post anterior sobre as dificuldades da
chamada desvalorização interna nas economias que estão sujeitas à terapia do
resgate financeiro.
No caso português, apesar do discurso
exterior do Ministro das Finanças de reafirmação do rigor de cumprimento das
condições do resgate financeiro, a dificuldade de demarcação clara face ao cada
vez mais provável incumprimento grego começa a dominar a imprensa
internacional. Em regra mais contido do que o Financial Times, até o The Economist desta semana não resiste à onda e num pequeno artigo “Os problemas de
Portugal – o próximo caso especial?” continua a destacar o já aqui documentado comportamento
dos yields dos títulos da dívida pública portuguesa a dois anos para sublinhar
a dificuldade de Portugal, ao contrário do observado em Espanha e Itália, em
demarcar-se da situação grega. Isto acontece mesmo que a generalidade dos
analistas não tenha dificuldade em diferenciar qualitativamente a situação
portuguesa face à grega.
Parece evidente que a armadilha do todo
aprisiona as duas economias que revelam aparentemente melhores condições de
rigor no cumprimento dos respetivos resgates financeiros. Mesmo considerando
que a economia irlandesa é globalmente mais flexível do que a portuguesa, não
deixa por isso de ser aprisionada pela já referida armadilha do todo.
Resulta no caso português a ideia de
que os resultados da ofensiva do BCE de Dezembro passado, fornecendo liquidez à
banca europeia, não terão beneficiado a situação portuguesa, dada a referida
dificuldade de demarcação face aos riscos de incumprimento grego. O facto do
BCE não publicar informação sobre os bancos que recorreram efetivamente a essa
operação, financiando-se a juros baixos com oferta de colaterais possibilitada
pelas novas regras do BCE, torna difícil a alusão à participação dos bancos
portugueses nesse processo. Mesmo que também não seja seguro que os bancos que
participaram nessa operação tenham adquirido depois títulos da dívida pública
dos países sobre pressão, o comportamento das taxas portuguesas sugere que a
atuação dos bancos portugueses ou não foi relevante ou de facto a antecipação do
incumprimento português é demasiado forte.
Mas nos últimos dias um novo dado vem
confirmar que os problemas do todo são cada vez mais relevantes. A publicação
pelo BCE dos dados relativos à atividade creditícia do sistema bancário da zona
euro vem confirmar um recuo muito significativo do aperto do crédito bancário às
empresas e às famílias (consumo e habitação). Curiosamente, esse recuo é mais
acentuado no crédito às empresas do que no crédito ao consumo. Se a oferta de
crédito recua, também a procura o faz, o que documenta bem a disseminação dos
comportamentos recessivos.
Mais uma evidência a confirmar que a
armadilha do todo não está a ser devidamente tida em conta, podendo atirar para
a inutilidade os sacrifícios empobrecedores impostos pelos resgates
financeiros. Miopia acentuada. E o pior é que neste caso os míopes se têm
recusado a mudar de lentes.
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