segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

OS PROBLEMAS DO TODO SUPERAM A MELHORIA DAS PARTES

(Com a devida vénia ao The Economist)


Vários elementos têm surgido nos últimos dias que anunciam que os resultados conseguidos nas economias sob resgate financeiro como a Irlanda e Portugal podem não ser suficientes para as tornar imunes aos efeitos que a crise das dívidas soberanas gerou na sustentabilidade da zona euro. Em meu entender, temos aqui uma clara demonstração de que a inconsistência da abordagem ao todo pode comprometer irremediavelmente as melhorias no tratamento das partes.
No caso da Irlanda, o Boletim trimestral do Banco Central (1º trimestre de 2012) sublinha que a recuperação observada na economia irlandesa poderá ser seriamente penalizada pela instabilidade global da zona euro, com a taxa de desemprego a oscilar ligeiramente acima dos 14% e perspetivas de descida do Produto Nacional Bruto de cerca de 0,7%. Mas que recuperação! Mas, numa nuance que não escapou ao Financial Times, o Banco Central afirma preto no branco que a melhoria da competitividade da economia irlandesa se deveu mais à depreciação do euro (em relação ao dólar e a outras moedas) do que à descida salarial. Esta evidência é relevante pois vem confirmar o meu post anterior sobre as dificuldades da chamada desvalorização interna nas economias que estão sujeitas à terapia do resgate financeiro.
No caso português, apesar do discurso exterior do Ministro das Finanças de reafirmação do rigor de cumprimento das condições do resgate financeiro, a dificuldade de demarcação clara face ao cada vez mais provável incumprimento grego começa a dominar a imprensa internacional. Em regra mais contido do que o Financial Times, até o The Economist desta semana não resiste à onda e num pequeno artigo “Os problemas de Portugal – o próximo caso especial?” continua a destacar o já aqui documentado comportamento dos yields dos títulos da dívida pública portuguesa a dois anos para sublinhar a dificuldade de Portugal, ao contrário do observado em Espanha e Itália, em demarcar-se da situação grega. Isto acontece mesmo que a generalidade dos analistas não tenha dificuldade em diferenciar qualitativamente a situação portuguesa face à grega.
Parece evidente que a armadilha do todo aprisiona as duas economias que revelam aparentemente melhores condições de rigor no cumprimento dos respetivos resgates financeiros. Mesmo considerando que a economia irlandesa é globalmente mais flexível do que a portuguesa, não deixa por isso de ser aprisionada pela já referida armadilha do todo.
Resulta no caso português a ideia de que os resultados da ofensiva do BCE de Dezembro passado, fornecendo liquidez à banca europeia, não terão beneficiado a situação portuguesa, dada a referida dificuldade de demarcação face aos riscos de incumprimento grego. O facto do BCE não publicar informação sobre os bancos que recorreram efetivamente a essa operação, financiando-se a juros baixos com oferta de colaterais possibilitada pelas novas regras do BCE, torna difícil a alusão à participação dos bancos portugueses nesse processo. Mesmo que também não seja seguro que os bancos que participaram nessa operação tenham adquirido depois títulos da dívida pública dos países sobre pressão, o comportamento das taxas portuguesas sugere que a atuação dos bancos portugueses ou não foi relevante ou de facto a antecipação do incumprimento português é demasiado forte.
Mas nos últimos dias um novo dado vem confirmar que os problemas do todo são cada vez mais relevantes. A publicação pelo BCE dos dados relativos à atividade creditícia do sistema bancário da zona euro vem confirmar um recuo muito significativo do aperto do crédito bancário às empresas e às famílias (consumo e habitação). Curiosamente, esse recuo é mais acentuado no crédito às empresas do que no crédito ao consumo. Se a oferta de crédito recua, também a procura o faz, o que documenta bem a disseminação dos comportamentos recessivos.
Mais uma evidência a confirmar que a armadilha do todo não está a ser devidamente tida em conta, podendo atirar para a inutilidade os sacrifícios empobrecedores impostos pelos resgates financeiros. Miopia acentuada. E o pior é que neste caso os míopes se têm recusado a mudar de lentes.

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