Tinha prometido a mim próprio
intervalar por uns tempos em relação à nossa “austera, apagada e vil tristeza”.
E consegui resistir quase uma semana, até que uma determinada conjunção de
circunstâncias – acalmia nos mercados internacionais e suas repercussões
positivas em termos europeus, continuada postura vigilante por parte do BCE, mudança
de coordenação no Eurogrupo e consequentes pressões para se pagarem as
promessas do sortant Juncker,
necessidade/possibilidade de uma sinalização dirigida à Irlanda, cochichos em
torno de uma moratória de seis meses nas medidas de austeridade gregas, and so on – favoreceu o lançamento de
uma iniciativa organizada e que não deve ser subestimada: à concessão de um
princípio de “mais tempo” na reunião europeia de ontem adicionou-se hoje o
repentinamente famoso regresso de Portugal aos mercados.
Salientam alguns, por uma banda, que
não existe justificação plausível para a euforia que se observou nos círculos pró-governamentais,
económico-financeiros e mediáticos. E, pese embora o facto de nada ter mudado
instantaneamente nas difíceis condições que marcam a nossa economia real
(desemprego, baixa de salários, aumento de impostos, etc.), o certo é que,
ainda assim, não têm total razão. Porque, do mesmo modo que sempre procurei
denunciar os excessos da prática ideologizada de Gaspar, nunca tive dúvidas quanto
à sua competência técnico-política e quanto à existência de um qualquer trilho
na sua cabeça – contanto que alguma “estrelinha” pudesse vir ajudar os seus amigos
a ajudá-lo a ele…
Sou pois, pessoalmente, dos que se
situam na outra banda ao acreditar que, ainda que com todos os para-raios, algo
de potencialmente relevante terá ocorrido hoje: um provável passo inicial no
sentido de uma melhoria estrutural nas condições de financiamento da economia
portuguesa no seu conjunto e de uma redução da nossa dependência face a uma
exclusiva disponibilidade “troikista”, sendo até teoricamente admissível que
esta impacte na nossa margem de manobra para uma renegociação favorável dos
acordos contratados no quadro do resgate de 2011.
Só que a vida não é a preto e branco
e, se este nosso regresso aos mercados se verificou mais cedo do que se
pensava, nada garante a estabilidade/irreversibilidade dessa aparente
normalização. Daí que os portugueses bem tenham de fazer figas para que a
“estrelinha” não os abandone (aos outros) e de rezar para que algum deus os ilumine
(a eles). Com efeito, e no estrito plano interno, a eventual existência de algum
financiamento é uma condição necessária mas não suficiente para a crucial
materialização de um processo de crescimento económico sine qua non, tanto mais quanto a depressão é abissal e a procura
externa se mostra pífia. Com a agravante de uma dominante exterior em que a
União Europeia está longe de conhecer um rumo e em que a crise da dívida
soberana europeia apenas parece em estado de pessangas.
Sintetizando: a receita “gaspariana” é
errada mas Gaspar é bem mais hábil do que estúpido e o (in)sucesso nunca é a
variável absolutista em que em cada dia creem os queridos comentadores que nos vão
servindo a título de cicerones. Haja ponderação, portanto, já que tão inopinada
é a passagem de besta a bestial quanto a de bestial a besta…
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