terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O BURGO ESTÁ INDIGNADO



2013 está ai com todos os seus desafios de país, de região, de empresa, pessoais, com alguma vontade de contribuir para a minimização de todos eles. E, por mais paradoxal que possa parecer, a primeira sensação é agradável. Pão fresco, uma roca quente e crocante, na manhã suspensa do 1 de Janeiro de 2013. A economia informal reage e a pastelaria local, aberta, fornece o pão desejado. Esperemos que um burocrata qualquer de Bruxelas, zeloso pela preservação do seu emprego, não invente uma norma qualquer desincentivadora desta reatividade, suportada por um desígnio qualquer mais ou menos inscrito na agenda europeia. Que os deuses nos protejam de tais algozes do “EU correto”.
Mas para lá desta perceção sensorial da chegada do 2013, impõe-se uma reflexão para abrir as hostilidades deste ano.
E o tema não pode deixar de ser que o burgo (Porto) está indignado. Com quê? Com a ofensiva centralista e com a desconsideração permanente do “milhafre ferido na asa” que o poder político concentrado em Lisboa lhe reserva.
Mas esta indignação merece reflexão crítica.
De todas as vozes que emergiram nos últimos dias, as mais sinceras e espontâneas são seguramente as 200 a 300 pessoas (Pizarro, Bexiga e outros certamente que menos sinceros e espontâneos) que abraçaram a Casa da Música, protestando e defendendo a não quebra de qualidade da programação que as leva a frequentar com orgulho, culto e assumido, aquele belo espaço, tão controverso na sua gestação. O problema dos cortes governamentais ao acordo previamente assumido com a administração da Casa da Música merece uma discussão ampla, pois pode ser exemplar como caso de discussão das implicações da consolidação orçamental abrupta no financiamento das políticas culturais. Há nesta complexa trapalhada uma quebra de palavra entre dois Secretários de Estado que se sucedem no Governo (a passagem de Francisco Viegas pela Secretaria de Estado ficará como exemplo de como um homem de cultura se pode transformar num verdadeiro “artista” português a exercer o (não) poder). O primeiro teria assumido um corte de 20% no contributo público (que aparentemente a administração da Casa da Música tinha acomodado), mas o segundo impõe, pelo contrário, um corte de 30% e, no braço de ferro entre alguns grupos empresariais de “elite”, claramente representados na administração, e o Governo, a corda estica e a administração demite-se. Fiquei com a sensação de que o diretor de programação António Jorge Pacheco teria uma posição mais flexível mas manda quem pode. Esta quebra de palavra não enobrece o poder. Mas quanto ao que significa o corte de 30%, vou ser politicamente incorreto, sempre o fui e por isso começar desta maneira 2013 é coisa que não me desgosta. Tenho de facto dificuldade em analisar criticamente este corte sem ter uma perspetiva global da penalização imposta por outros cortes a outras instituições culturais do país e da Região. Por mais importante que a programação da Casa da Música se apresente para uma efetiva descentralização cultural, retirando esta dos velhos públicos com casacos a cheirar a nafetalina da capital, essa descentralização não acaba no Porto. Alguma modéstia e sentido de Região ficariam bem à tal administração de elite da Casa da Música. Com programações menos ambiciosas e menos recursos há outras instituições que cumprem o seu papel de descentralização cultural efetiva e devem ser tratados com respeito, não só pelo Governo, mas também pelos “comilões do orçamento de Estado”. Afinal, o Estado continuará a colocar o dobro do que o setor privado coloca na Casa da Música, se as minhas contas não estão erradas.
Por isso, que me perdoem todos os que abraçaram a Casa da Música, que têm a minha solidariedade como utente, mas sem ter uma perceção global das escolhas globais que os cortes na cultura representam tenho dificuldade em me indignar racionalmente com o corte dos 30%.
Mas o coro da indignação teve outras vozes. Paulo Rangel, quase meu vizinho desta Gaia urbana, decreta de Bruxelas e Estrasburgo o direito a um “15 de Setembro” da região e do Porto. Já o vejo, anafadinho, a protagonizar um acampamento de indignados pela Região, seja na praça da Casa da Música, seja em qualquer outro sítio emblemático do (não) poder regional. Porque não acampar nos belos jardins da CCDRN, ao Campo Alegre, que pela trajetória em curso, tenderá a transformar-se numa espécie de Jardim Botânico para turista ver e para mostrar aos meninos das Escolas que, há muito tempo, mesmo muito tempo, ali se pensou profundamente a Região?
Rangel está indignado pela falta de respeito à Região e fala de inúmeros processos, entre os quais a recente privatização da ANA e o risco que isso representa do ponto de vista de desvalorização do potencial de internacionalização.
Rangel deveria estar indignado já há bastante tempo, assim como algumas personalidades ligadas ao PS, pois foi com o governo de Sócrates que começou a desvalorização do papel de algumas instituições regionais.
Mas aqui também o politicamente incorreto se justifica. A Região há muito que se pôs a jeito. A AEP deixou de ser voz que se possa ouvir com o seu rocambolesco (e tão mal explicado) processo ruinoso do Europarque. O aval do Estado recentemente acionado calou para muito tempo alguma réstia de pensamento crítico. Outras associações empresariais, de recorte e influência bem mais locais, estão entretidas nas suas redes de cumplicidades de curta distância e lançam concursos “públicos” (?) para as manter, almofadando as economias locais. A Universidade Católica do Porto, sob a batuta de Joaquim Azevedo e com as suas fragilidades internas, torna saudosa a UCP dos tempos de Carvalho Guerra. A CCDRN, a quem eu dei alguns anos de vida e de pensamento, agoniza entre Presidências cinzentas e reverentes a qualquer ordem de marcha vinda de Lisboa e vice-presidências partidárias ou com projetinhos pessoais de escala bem local. Francamente, a instituição já não contava (apesar da boa vontade envergonhada de Carlos Lage) desde os governos de Sócrates e Relvas serviu-lhe o cálice de cicuta final, “malgré” Cristas. As universidades do Porto e do Minho nunca assumiram em conjunto um papel de liderança regional, estão naturalmente interessadas em voos nacionais e internacionais, disputando em Lisboa e nos corredores do poder a sua própria sobrevivência. Empresas de bandeira regional dificilmente a globalização as recompensará, estão por isso ou atomizadas ou interessadas em cavalgar outros projetos. A gestão do Sá Carneiro foi uma miragem. A queda do imobiliário cortará gorduras irreversivelmente. Podem protagonizar uma administração tipo Casa da Música, quando muito. Em matéria de figuras também estamos aviados. Rui Moreira agita-se mas parece mais servir-se da Cidade e da Região do que protagonizar o seu ressurgimento. Pinto da Costa resiste, vai alfinetando aqui e ali, mas perderá também espaço quando o inenarrável Vieira desaparecer de cena, pois não terá inimigo. Quem mais? Rio ficará para sempre emparedado entre a sua visão “comptable” e a sua caminhada para Lisboa que dificilmente o acolherá. Esgotar-se-á no affair Filipe Meneses de todos os populismos.
Atomizada, fragilizada e enfraquecida, temos uma Região com indignação incipiente. Alguns abraços como o da Casa da Música serão possíveis. Mas a verdadeira indignação só poderá vir da massa de desemprego estrutural implacável e em grande parte apenas com tempo pela frente, mas sem futuro. Rangel e amigos que se cuidem.

1 comentário:

  1. Caro António
    Apenas para saudar o exercício crítico saudavelmente irrestrito e politicamente incorrecto que lhe (re)conheço desde os idos de 1984, na memória dos encontros de trabalho no Instituto Damião de Góis e nas salas da CCRNorte, a dar para o magnífico Jardim no Campo Alegre. Desse espaço recordo reuniões com os saudosos Abílio Cardoso e Rui Biltes e com outros que, estando entre os melhores da "elite que devia contar", podem constituir parte do cimento/sentido crítico, reserva indispensável para um desejável sobressalto cívico que, não só o Porto e o Norte carecem, para inverter um ciclo de empobrecimento activo da capacidade de iniciativa e de acção colectiva que nos amputa o futuro e, sobretudo, o futuro dos jovens aos quais oferecemos (no seio da família, na academia e nas empresas) o que continuamos, justificadamente, a pensar ser o melhor legado: a educação, as competências e o empenho cívico.
    Vamos trabalhar para dar futuro, ao tempo ue temos pela frente.

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