2013 está ai
com todos os seus desafios de país, de região, de empresa, pessoais, com alguma
vontade de contribuir para a minimização de todos eles. E, por mais paradoxal
que possa parecer, a primeira sensação é agradável. Pão fresco, uma roca quente
e crocante, na manhã suspensa do 1 de Janeiro de 2013. A economia informal
reage e a pastelaria local, aberta, fornece o pão desejado. Esperemos que um
burocrata qualquer de Bruxelas, zeloso pela preservação do seu emprego, não
invente uma norma qualquer desincentivadora desta reatividade, suportada por um
desígnio qualquer mais ou menos inscrito na agenda europeia. Que os deuses nos
protejam de tais algozes do “EU correto”.
Mas para lá
desta perceção sensorial da chegada do 2013, impõe-se uma reflexão para abrir
as hostilidades deste ano.
E o tema não
pode deixar de ser que o burgo (Porto) está indignado. Com quê? Com a ofensiva centralista
e com a desconsideração permanente do “milhafre ferido na asa” que o poder político
concentrado em Lisboa lhe reserva.
Mas esta
indignação merece reflexão crítica.
De todas as
vozes que emergiram nos últimos dias, as mais sinceras e espontâneas são
seguramente as 200 a 300 pessoas (Pizarro, Bexiga e outros certamente que menos sinceros e espontâneos) que abraçaram a Casa da Música, protestando e
defendendo a não quebra de qualidade da programação que as leva a frequentar
com orgulho, culto e assumido, aquele belo espaço, tão controverso na sua gestação.
O problema dos cortes governamentais ao acordo previamente assumido com a
administração da Casa da Música merece uma discussão ampla, pois pode ser
exemplar como caso de discussão das implicações da consolidação orçamental
abrupta no financiamento das políticas culturais. Há nesta complexa trapalhada
uma quebra de palavra entre dois Secretários de Estado que se sucedem no
Governo (a passagem de Francisco Viegas pela Secretaria de Estado ficará como
exemplo de como um homem de cultura se pode transformar num verdadeiro “artista”
português a exercer o (não) poder). O primeiro teria assumido um corte de 20%
no contributo público (que aparentemente a administração da Casa da Música
tinha acomodado), mas o segundo impõe, pelo contrário, um corte de 30% e, no
braço de ferro entre alguns grupos empresariais de “elite”, claramente
representados na administração, e o Governo, a corda estica e a administração
demite-se. Fiquei com a sensação de que o diretor de programação António Jorge Pacheco
teria uma posição mais flexível mas manda quem pode. Esta quebra de palavra não
enobrece o poder. Mas quanto ao que significa o corte de 30%, vou ser
politicamente incorreto, sempre o fui e por isso começar desta maneira 2013 é
coisa que não me desgosta. Tenho de facto dificuldade em analisar criticamente
este corte sem ter uma perspetiva global da penalização imposta por outros
cortes a outras instituições culturais do país e da Região. Por mais importante
que a programação da Casa da Música se apresente para uma efetiva descentralização
cultural, retirando esta dos velhos públicos com casacos a cheirar a nafetalina
da capital, essa descentralização não acaba no Porto. Alguma modéstia e sentido
de Região ficariam bem à tal administração de elite da Casa da Música. Com
programações menos ambiciosas e menos recursos há outras instituições que cumprem o seu papel de
descentralização cultural efetiva e devem ser tratados com respeito, não só
pelo Governo, mas também pelos “comilões do orçamento de Estado”. Afinal, o Estado
continuará a colocar o dobro do que o setor privado coloca na Casa da Música,
se as minhas contas não estão erradas.
Por isso, que
me perdoem todos os que abraçaram a Casa da Música, que têm a minha
solidariedade como utente, mas sem ter uma perceção global das escolhas globais
que os cortes na cultura representam tenho dificuldade em me indignar
racionalmente com o corte dos 30%.
Mas o coro da
indignação teve outras vozes. Paulo Rangel, quase meu vizinho desta Gaia
urbana, decreta de Bruxelas e Estrasburgo o direito a um “15 de Setembro” da
região e do Porto. Já o vejo, anafadinho, a protagonizar um acampamento de
indignados pela Região, seja na praça da Casa da Música, seja em qualquer outro
sítio emblemático do (não) poder regional. Porque não acampar nos belos jardins
da CCDRN, ao Campo Alegre, que pela trajetória em curso, tenderá a
transformar-se numa espécie de Jardim Botânico para turista ver e para mostrar
aos meninos das Escolas que, há muito tempo, mesmo muito tempo, ali se pensou
profundamente a Região?
Rangel está
indignado pela falta de respeito à Região e fala de inúmeros processos, entre
os quais a recente privatização da ANA e o risco que isso representa do ponto
de vista de desvalorização do potencial de internacionalização.
Rangel
deveria estar indignado já há bastante tempo, assim como algumas personalidades
ligadas ao PS, pois foi com o governo de Sócrates que começou a desvalorização
do papel de algumas instituições regionais.
Mas aqui também
o politicamente incorreto se justifica. A Região há muito que se pôs a jeito. A
AEP deixou de ser voz que se possa ouvir com o seu rocambolesco (e tão mal
explicado) processo ruinoso do Europarque. O aval do Estado recentemente
acionado calou para muito tempo alguma réstia de pensamento crítico. Outras
associações empresariais, de recorte e influência bem mais locais, estão
entretidas nas suas redes de cumplicidades de curta distância e lançam
concursos “públicos” (?) para as manter, almofadando as economias locais. A
Universidade Católica do Porto, sob a batuta de Joaquim Azevedo e com as suas
fragilidades internas, torna saudosa a UCP dos tempos de Carvalho Guerra. A
CCDRN, a quem eu dei alguns anos de vida e de pensamento, agoniza entre Presidências
cinzentas e reverentes a qualquer ordem de marcha vinda de Lisboa e vice-presidências
partidárias ou com projetinhos pessoais de escala bem local. Francamente, a instituição já não contava (apesar da
boa vontade envergonhada de Carlos Lage) desde os governos de Sócrates e Relvas
serviu-lhe o cálice de cicuta final, “malgré”
Cristas. As universidades do Porto e do Minho nunca assumiram em conjunto um papel
de liderança regional, estão naturalmente interessadas em voos nacionais e
internacionais, disputando em Lisboa e nos corredores do poder a sua própria
sobrevivência. Empresas de bandeira regional dificilmente a globalização as
recompensará, estão por isso ou atomizadas ou interessadas em cavalgar outros
projetos. A gestão do Sá Carneiro foi uma miragem. A queda do imobiliário
cortará gorduras irreversivelmente. Podem protagonizar uma administração tipo
Casa da Música, quando muito. Em matéria de figuras também estamos aviados. Rui
Moreira agita-se mas parece mais servir-se da Cidade e da Região do que
protagonizar o seu ressurgimento. Pinto da Costa resiste, vai alfinetando aqui
e ali, mas perderá também espaço quando o inenarrável Vieira desaparecer de cena, pois
não terá inimigo. Quem mais? Rio ficará para sempre emparedado entre a sua visão
“comptable” e a sua caminhada para
Lisboa que dificilmente o acolherá. Esgotar-se-á no affair Filipe Meneses de todos os populismos.
Atomizada,
fragilizada e enfraquecida, temos uma Região com indignação incipiente. Alguns
abraços como o da Casa da Música serão possíveis. Mas a verdadeira indignação só
poderá vir da massa de desemprego estrutural implacável e em grande parte
apenas com tempo pela frente, mas sem futuro. Rangel e amigos que se cuidem.
Caro António
ResponderEliminarApenas para saudar o exercício crítico saudavelmente irrestrito e politicamente incorrecto que lhe (re)conheço desde os idos de 1984, na memória dos encontros de trabalho no Instituto Damião de Góis e nas salas da CCRNorte, a dar para o magnífico Jardim no Campo Alegre. Desse espaço recordo reuniões com os saudosos Abílio Cardoso e Rui Biltes e com outros que, estando entre os melhores da "elite que devia contar", podem constituir parte do cimento/sentido crítico, reserva indispensável para um desejável sobressalto cívico que, não só o Porto e o Norte carecem, para inverter um ciclo de empobrecimento activo da capacidade de iniciativa e de acção colectiva que nos amputa o futuro e, sobretudo, o futuro dos jovens aos quais oferecemos (no seio da família, na academia e nas empresas) o que continuamos, justificadamente, a pensar ser o melhor legado: a educação, as competências e o empenho cívico.
Vamos trabalhar para dar futuro, ao tempo ue temos pela frente.