A diplomacia portuguesa está em vias
de ficar mais pobre com a saída do ativo de um dos seus melhores, um dos mais completos
e marcantes embaixadores da “nova geração” (aqueles admitidos imediatamente
após o 25 de abril). Mas não há nada a fazer para evitar o facto, já que a
verdade é que o jovem em causa nasceu mesmo em 1948!
O último posto do Francisco foi
Paris, onde está desde 2009 e de onde nos foi transmitindo as suas “notas pouco
diárias” (http://duas-ou-tres.blogspot.pt).
Antes estivera nas Nações Unidas, na OSCE (Viena) e no Brasil. E, imediatamente
antes, foi provavelmente o mais duradouro e eficaz dos nossos secretários de
Estado dos Assuntos Europeus, cargo que exerceu nos governos de António
Guterres e em que adquiriu especial notoriedade na qualidade de principal
negociador português dos Tratados de Amsterdão e Nice. Disso deixou testemunho
e pensamento em “Diplomacia Europeia -
Instituições, Alargamento e o Futuro da União” (Dom Quixote, 2002) e “Uma Segunda Opinião - Notas de Política
Externa e Diplomacia” (Dom Quixote, 2006).
Pessoalmente, privei bastante com o
Francisco durante aqueles meus quase dois anos de atividade política mas guardo
mais intensamente na memória aqueles dias de convívio e trabalho aquando de uma
conferência de encerramento da Organização Mundial de Comércio em Singapura. Como
também alguns episódios incontáveis passados com atores das Necessidades, inclusive
nos respetivos gabinetes, ou como o pitoresco episódio daquele Conselho de
Ministros em que a leitura da “Visão” do dia lhe revelava que o colega do lado
e vários outros também tinham passado pelo MES.
Foi também então que nos perdemos em
longas conversas sobre gentes, lugares e quotidianos. Foi também então que soube
que, nascido em Vila Real, o Francisco passara os seus anos mais “atribulados”
na minha cidade do Porto e em ambientes que me eram fisicamente contíguos e ficaram
emocionalmente próximos. Foi também então que percebi quanto de sensibilidade e
abertura ao mundo tinha dentro de si. Foi também então que partilhei momentos
de representação institucional que constituíram inesquecíveis ensinamentos. E foi
também então que assim ganhei um amigo…
Dito tudo isto, quer o cidadão aqui apenas
sinalizar e saudar um invulgar exemplo de homem público – nada mais apropriado
para tal do que lê-lo em discurso direto, recorrendo a uma das suas últimas inserções
que intitulou “Despedidas”:
“Estes têm sido,
como é natural, os dias das despedidas, dos amigos e dos conhecidos. É um ciclo
por que já passámos outras vezes e que sempre nos dá alguma medida daquilo que,
ao longo de cada posto, fomos criando de relação pessoal e profissional. É um
período algo "stressante" mas muito agradável, em que nos damos conta
de que talvez devêssemos ter passado mais tempo com essas pessoas. Mas a vida é
o que é.
Ontem, ao final da
tarde, mais de duas centenas de amigos tiveram a amabilidade e a simpatia de
afrontar a temperatura negativa e a neve que cobria as ruas de Paris, para virem
juntar-se a nós num encontro, não de "adieu" mas de "au
revoir". Tive então oportunidade de assumir, perante eles, que nós, os
diplomatas, somos uns verdadeiros privilegiados. Menos por aquilo que os sinais
exteriores indiciam mas, muito mais, pelas oportunidades que fomos tendo, ao
longo desta vida errante, de conhecer gente diferente, muitas pessoas
interessantes, oriundas de outras culturas e com diversas perspetivas de vida.
Guardamos para a vida amigos de imensas nacionalidades, alguns com quem mantemos
relações regulares, outros que fomos reencontrando, outros que cruzamos a
espaços, com o email e o facebook a ajudar. Essa é a verdadeira riqueza que se
acumula numa carreira como a nossa, a qual, no meu caso, se suspende no final
do mês.
Com boa música à
mistura - Irene Lima no violoncelo, Adriano Jordão ao piano -, juntámos algumas
das muitas pessoas que Paris nos proporcionou o ensejo de conhecer. Sentimos
pena por não ser possível ter connosco todos quantos nos ajudaram a transformar
este nosso posto de Paris na bela jornada profissional e humana que foi. Mas
cada um sabe bem o que lhe devemos.
Dei comigo a pensar
que é muito interessante olhar, em perspetiva, para esse círculo de relações.
Os embaixadores são diferentes uns dos outros, nas ideias, na forma de estar,
nas opções que tomam. Tudo isso ajuda a defini-los, pela positiva e pela
negativa. São medidos no plano profissional, desde logo por Lisboa, mas também
pelos diversos setores que se ligam às embaixadas: comunidade, empresários,
meios culturais, imprensa e, também, pelos estrangeiros, os outros diplomatas,
autoridades e amigos locais de Portugal. Mas são igualmente avaliados no plano
humano, pelo que projetam, pelo que dizem, pelo modo como se relacionam. É
assim, em toda a parte.
Não conheço nenhum
embaixador que, em algum posto, tenha feito a unanimidade. Há quem goste de
nós, como haverá sempre quem nos olhe de forma distante, às vezes por nossa
culpa, outras por falta de empatia ou por alguns terem sentido que lhes não foi
dada a importância a que achavam ter direito. É a lei da vida. No que me toca,
e por onde passei, tentei sempre garantir duas coisas. Em primeiro lugar, que
os interesses portugueses fossem protegidos: a imagem do país, os interesses
económicos, os valores culturais, a defesa dos direitos das comunidades, a
manutenção de uma interlocução positiva e eficaz com as entidades locais. Mas
cuidei também, sempre, em que, no plano pessoal e humano, fosse possível manter
uma relação com as pessoas de onde transparecesse o respeito que devemos aos
outros, a cordialidade que há que transmitir na relação com terceiros. Se
consegui, ou não, fazer isso, não me compete a mim dizê-lo.
Ontem à tarde, nos
dourados quase aristocráticos da rue de Noisiel, não deixei de recordar -
talvez para surpresa de alguns - que, ao longo de todo este tempo em Paris,
nunca me deixei de considerar embaixador de "todo" o Portugal que por
aqui está, desde logo, e a começar, por quantos vieram para França em condições
muito difíceis, em registos de tragédia e de aventura humana que o país não
tinha o direito de lhes exigir. E, por isso, ao lado de embaixadores
estrangeiros, de empresários portugueses e franceses, de figuras gradas da vida
social e política parisiense, tivemos o gosto de ter conosco amigos que vieram
para França "a salto", que viveram no "bidonville" de
Champigny, que por aqui passaram "as passas do Algarve" ou que são
oriundos dessa geração. Gente de todas - de todas! - as cores políticas, de
todos os estratos sociais. Hoje, simplesmente, amigos.
No final, confesso que gostei muito que a última música,
escolhida e interpretada pelo Adriano Jordão e pela Irene Lima, tivesse sido de
Fernando Lopes-Graça. Uma canção popular transmontana.”
Aquele abraço!
Caríssimo: tocou-me muito o seu comentário a meu respeito. É muito bom sentir que nos apreciam e, em especial, isso sabe particularmente bem no termo de uma carreira dedicada à coisa pública, terreno em que nos cruzámos, num registo de uma bela aventura solidária, marcada pela partilha de valores, de esperanças e de algumas realizações que ficaram como nosso património. As amizades que, como a sua, tive o privilégio de conquistar ao longo deste tempo são as melhores "medalhas" que podemos colocar ao peito. Um beijo à Elisa e um forte e grato abraço para si, na certeza de que, muito em breve, nos cruzaremos, sei lá se à volta de uma mesa, ali ao lado do estádio do Moreirense...
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