quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

FRANCISCO SEIXAS DA COSTA


A diplomacia portuguesa está em vias de ficar mais pobre com a saída do ativo de um dos seus melhores, um dos mais completos e marcantes embaixadores da “nova geração” (aqueles admitidos imediatamente após o 25 de abril). Mas não há nada a fazer para evitar o facto, já que a verdade é que o jovem em causa nasceu mesmo em 1948!
 
O último posto do Francisco foi Paris, onde está desde 2009 e de onde nos foi transmitindo as suas “notas pouco diárias” (http://duas-ou-tres.blogspot.pt). Antes estivera nas Nações Unidas, na OSCE (Viena) e no Brasil. E, imediatamente antes, foi provavelmente o mais duradouro e eficaz dos nossos secretários de Estado dos Assuntos Europeus, cargo que exerceu nos governos de António Guterres e em que adquiriu especial notoriedade na qualidade de principal negociador português dos Tratados de Amsterdão e Nice. Disso deixou testemunho e pensamento em “Diplomacia Europeia - Instituições, Alargamento e o Futuro da União” (Dom Quixote, 2002) e “Uma Segunda Opinião - Notas de Política Externa e Diplomacia” (Dom Quixote, 2006).
 
Pessoalmente, privei bastante com o Francisco durante aqueles meus quase dois anos de atividade política mas guardo mais intensamente na memória aqueles dias de convívio e trabalho aquando de uma conferência de encerramento da Organização Mundial de Comércio em Singapura. Como também alguns episódios incontáveis passados com atores das Necessidades, inclusive nos respetivos gabinetes, ou como o pitoresco episódio daquele Conselho de Ministros em que a leitura da “Visão” do dia lhe revelava que o colega do lado e vários outros também tinham passado pelo MES.
 
Foi também então que nos perdemos em longas conversas sobre gentes, lugares e quotidianos. Foi também então que soube que, nascido em Vila Real, o Francisco passara os seus anos mais “atribulados” na minha cidade do Porto e em ambientes que me eram fisicamente contíguos e ficaram emocionalmente próximos. Foi também então que percebi quanto de sensibilidade e abertura ao mundo tinha dentro de si. Foi também então que partilhei momentos de representação institucional que constituíram inesquecíveis ensinamentos. E foi também então que assim ganhei um amigo…
 
Dito tudo isto, quer o cidadão aqui apenas sinalizar e saudar um invulgar exemplo de homem público – nada mais apropriado para tal do que lê-lo em discurso direto, recorrendo a uma das suas últimas inserções que intitulou “Despedidas”:

“Estes têm sido, como é natural, os dias das despedidas, dos amigos e dos conhecidos. É um ciclo por que já passámos outras vezes e que sempre nos dá alguma medida daquilo que, ao longo de cada posto, fomos criando de relação pessoal e profissional. É um período algo "stressante" mas muito agradável, em que nos damos conta de que talvez devêssemos ter passado mais tempo com essas pessoas. Mas a vida é o que é.
Ontem, ao final da tarde, mais de duas centenas de amigos tiveram a amabilidade e a simpatia de afrontar a temperatura negativa e a neve que cobria as ruas de Paris, para virem juntar-se a nós num encontro, não de "adieu" mas de "au revoir". Tive então oportunidade de assumir, perante eles, que nós, os diplomatas, somos uns verdadeiros privilegiados. Menos por aquilo que os sinais exteriores indiciam mas, muito mais, pelas oportunidades que fomos tendo, ao longo desta vida errante, de conhecer gente diferente, muitas pessoas interessantes, oriundas de outras culturas e com diversas perspetivas de vida. Guardamos para a vida amigos de imensas nacionalidades, alguns com quem mantemos relações regulares, outros que fomos reencontrando, outros que cruzamos a espaços, com o email e o facebook a ajudar. Essa é a verdadeira riqueza que se acumula numa carreira como a nossa, a qual, no meu caso, se suspende no final do mês.
Com boa música à mistura - Irene Lima no violoncelo, Adriano Jordão ao piano -, juntámos algumas das muitas pessoas que Paris nos proporcionou o ensejo de conhecer. Sentimos pena por não ser possível ter connosco todos quantos nos ajudaram a transformar este nosso posto de Paris na bela jornada profissional e humana que foi. Mas cada um sabe bem o que lhe devemos.
Dei comigo a pensar que é muito interessante olhar, em perspetiva, para esse círculo de relações. Os embaixadores são diferentes uns dos outros, nas ideias, na forma de estar, nas opções que tomam. Tudo isso ajuda a defini-los, pela positiva e pela negativa. São medidos no plano profissional, desde logo por Lisboa, mas também pelos diversos setores que se ligam às embaixadas: comunidade, empresários, meios culturais, imprensa e, também, pelos estrangeiros, os outros diplomatas, autoridades e amigos locais de Portugal. Mas são igualmente avaliados no plano humano, pelo que projetam, pelo que dizem, pelo modo como se relacionam. É assim, em toda a parte.
Não conheço nenhum embaixador que, em algum posto, tenha feito a unanimidade. Há quem goste de nós, como haverá sempre quem nos olhe de forma distante, às vezes por nossa culpa, outras por falta de empatia ou por alguns terem sentido que lhes não foi dada a importância a que achavam ter direito. É a lei da vida. No que me toca, e por onde passei, tentei sempre garantir duas coisas. Em primeiro lugar, que os interesses portugueses fossem protegidos: a imagem do país, os interesses económicos, os valores culturais, a defesa dos direitos das comunidades, a manutenção de uma interlocução positiva e eficaz com as entidades locais. Mas cuidei também, sempre, em que, no plano pessoal e humano, fosse possível manter uma relação com as pessoas de onde transparecesse o respeito que devemos aos outros, a cordialidade que há que transmitir na relação com terceiros. Se consegui, ou não, fazer isso, não me compete a mim dizê-lo.
Ontem à tarde, nos dourados quase aristocráticos da rue de Noisiel, não deixei de recordar - talvez para surpresa de alguns - que, ao longo de todo este tempo em Paris, nunca me deixei de considerar embaixador de "todo" o Portugal que por aqui está, desde logo, e a começar, por quantos vieram para França em condições muito difíceis, em registos de tragédia e de aventura humana que o país não tinha o direito de lhes exigir. E, por isso, ao lado de embaixadores estrangeiros, de empresários portugueses e franceses, de figuras gradas da vida social e política parisiense, tivemos o gosto de ter conosco amigos que vieram para França "a salto", que viveram no "bidonville" de Champigny, que por aqui passaram "as passas do Algarve" ou que são oriundos dessa geração. Gente de todas - de todas! - as cores políticas, de todos os estratos sociais. Hoje, simplesmente, amigos.
No final, confesso que gostei muito que a última música, escolhida e interpretada pelo Adriano Jordão e pela Irene Lima, tivesse sido de Fernando Lopes-Graça. Uma canção popular transmontana.”
Aquele abraço!

1 comentário:

  1. Caríssimo: tocou-me muito o seu comentário a meu respeito. É muito bom sentir que nos apreciam e, em especial, isso sabe particularmente bem no termo de uma carreira dedicada à coisa pública, terreno em que nos cruzámos, num registo de uma bela aventura solidária, marcada pela partilha de valores, de esperanças e de algumas realizações que ficaram como nosso património. As amizades que, como a sua, tive o privilégio de conquistar ao longo deste tempo são as melhores "medalhas" que podemos colocar ao peito. Um beijo à Elisa e um forte e grato abraço para si, na certeza de que, muito em breve, nos cruzaremos, sei lá se à volta de uma mesa, ali ao lado do estádio do Moreirense...

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