Não me resigno e já aqui o
desabafei inúmeras vezes, sobretudo de cada vez que constato onde vão estando
“os nossos irmãos espanhóis” (ver acima as capas de alguns jornais do país
vizinho) e para onde nos vão alegremente dirigindo (ver acima uma página
elucidativa do último JN): Portugal é hoje um país sob humilhante e
constrangedor protetorado externo por mor do aproveitamento, cirurgicamente
forjado em março de 2011, de uma estranha situação política resultando num explosivo
cocktail que cruzou sinergicamente alguns interesses estritamente individuais com
a tendência para comportamentos desviantes de aparelhos partidários impreparados
e oportunistas.
Escolhido para “idiota
útil”, Passos lá vai envelhecendo rapidamente – já repararam como o rapaz
perdeu cabelo, ganhou rugas e perdeu jovialidade? (ver acima, o antes e o depois)
– na “cadeira de sonho” quase sempre improcedentemente ambicionada por todo o
“jotinha” medíocre (ou menos). Porque uma improvável conjunção das
circunstâncias se deu, designadamente entre um Cavaco focado em si por
vingança, um Sócrates crescentemente encafuado no isolamento do poder, um PS
simplesmente inenarrável, uma extrema-esquerda parlamentar proclamativa e
canabalizadora, um Relvas orientado por então inconfessáveis interesses de raiz
“palopiana”, um Marco António federador de múltiplos e disseminados micro-interesses,
barões (ou aspirantes) do PSD em rendimentos decrescentes mas adictos em
protagonismo e telegenia, um CDS ávido por abandonar a estreiteza do táxi…
Merkel e Trichet foram ao
tempo a cara de poderes externos que viam em Sócrates um lutador determinado e
incansável que tinham de tolerar – daí a célebre declaração conjunta de apoio a
Portugal por parte das entidades europeias e a preparação do PEC4. Mas a
mesquinhez de Cavaco e dos miseráveis interesses que se lhe colaram
concedeu-lhes bem mais, e de mão beijada. Foi então que um certo eixo
Berlim-Frankfurt mandatou Gaspar e o apresentou a Passos. E foi logo depois que
este começou a “governar”, um exercício de penosa aplicação de uma dada direção
programática – aquela que fosse podendo ser numa linha contando com os contributos
de Catroga e alguns jovens turcos encabeçados por Moedas, o memorando da Troika, o “ir para além” deste ou os
cenários mais extremos do mais recente estudo do FMI (sugestivamente intitulado
“Rethinking the State”). Admitindo Passos que lhe bastariam, em termos de
convicção, a ideologia de um ouvidor e o zelo de um funcionário e, em termos de
execução, remeter-se a um experimentalismo a meio caminho entre o on job training e o learning by doing.
O triste episódio do agora
divulgado relatório do FMI foi apenas mais um de tantos momentos de dolorosa
“infelizmência”, para usar um neologismo adequado às circunstâncias. Enquanto
Pedro Lains o caraterizava ontem, no “Jornal i”, como “brincar aos governos”, o
editorial do Diário de Notícias afirmava: “Uma coisa é pedir um parecer técnico
ao FMI ou ao Banco Mundial, que discuta os desvios mensuráveis na estrutura da
despesa pública face a outros países comparáveis, no seu nível de
desenvolvimento económico e de adoção de uma vertente social para as atividades
do Estado. Outra, bem diferente, é usar esses parceiros externos como lebre
para a apresentação da revoada de medidas adicionais de austeridade, que o
próprio Governo tomou a iniciativa de querer adotar em 2014, pedindo-lhe um parecer
à medida.” Imagens fortes que apenas pecam por parcialmente distorcidas ou por
ficarem lamentavelmente aquém…
Dito isto, estou longe de
pretender sustentar uma qualquer defesa incondicional de Sócrates e dos seus
governos. Sendo embora que “atrás de mim virá…”, como já ontem parecia querer assinalar
o editorial de Helena Garrido no Jornal de Negócios (“O FMI a dar razão a
Sócrates”): “As grandes orientações das medidas
propostas pelo FMI seguem aquilo que o primeiro governo de José Sócrates
começou a fazer no seu primeiro Governo. Na saúde, na educação e na segurança
social o sentido das políticas é o mesmo. Hoje temos de as concretizar mais
depressa e num ambiente recessivo. O que dói mais.” Mas não deixa de ser certo que, tendo embora
cometido muitos e variados erros (para dizer o mínimo) e até talvez tendo também
feito muita formação profissional no posto de trabalho, Sócrates se
diferenciava de Passos pela positiva em, pelo menos, duas coisas: um marcado
instinto político e um indesmentível patriotismo (horrível palavra!).
E agora, como vão os
portugueses sair desta? Atenta a enormíssima gravidade das circunstâncias, ainda
iremos chegar ao clímax de nos vermos confrontados com agentes tuteladores a
ordenarem que a Constituição está obviamente suspensa? Ou será este um “jogo”
que, não podendo acabar bem se jogado até ao fim, não é suposto que o seja? Será este, portanto, um
“jogo” a cujas regras devemos meramente obedecer para podermos alimentar a
expectativa de as lentas ondas de correção da política europeia se acabarem
por refletir na autorização da sua mudança? Ou existirá, porventura, algum outro mal menor?
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