Importante entrevista, aquela que foi concedida por Diogo Freitas
do Amaral a noite passada a Judite de Sousa na TVI 24. Vale a pena deixá-la
aqui registada nos seus grandes contornos, prescindindo embora de largas
componentes de diagnóstico (iniciado com a eloquente afirmação de que “o ano de
2013 só tem comparação, em dificuldade e perigos, com 1975 e toda aquela
aventura do gonçalvismo”) em
proveito de uma seleção em dez tópicos das principais considerações de análise
política e de maior incidência prospetiva.
1.
Sobre
a coligação no poder:
·
“Tanto quanto
nós podemos perceber, o dr. Paulo Portas esteve muito tentado a fazê-lo [romper
a coligação aquando da crise da TSU]. Consta, eu não tenho nenhum informador
dentro do CDS, mas consta que o dr. Paulo Portas reuniu com as comissões
distritais a quem pôs claramente em cima da mesa a hipótese da rotura e que as comissões
distritais (…) apoiaram. E depois foram outras forças, designadamente as forças
económicas e sociais que apoiam o CDS e dirigentes nacionais, que disseram: ‘isso
é uma desgraça, porque se isso acontecer vamos para eleições e, nas eleições, o
nosso eleitorado vai todo a correr votar no PSD e nós desaparecemos do mapa.
Portanto, o dr. Paulo Portas andou ali a hesitar, cheio de vontade de romper,
com motivo mais que suficiente – tirar aos trabalhadores para dar aos patrões
era, de facto, a inversão completa dos últimos 250 anos de evolução política na
Europa –, mas realmente chegou à conclusão de que não podia.”
·
“Esta
coligação já não é um casamento de amor, é um casamento de conveniência. O CDS
é completamente afastado, o ministro das Finanças permite-se vir à televisão
dizer ‘vamos fazer um enorme aumento de impostos’ quando sabia que o dr. Paulo
Portas se tinha comprometido perante o seu eleitorado a que, com ele no
Governo, não haveria mais aumentos de impostos – foi acintoso –, as principais
reuniões são feitas sem a presença do líder do CDS e, portanto, é manifesto que
se perdeu a química, que se perdeu um sentido de afeto e de projeto comum. (…)
Portanto, isto é mais uma coabitação. (…) Não só a coligação está num impasse –
porque o CDS quer sair mas não pode, o PSD quer governar sozinho mas não pode e
então mantêm esta fachada mas tratando-se o pior possível um ao outro em
particular, repare que o conselho coordenador da coligação nunca mais reuniu (…)
– como não há solidariedade, não há espírito de coesão nesta coligação.”
2.
Sobre
uma eventual remodelação governamental:
·
“Eu acho que
uma remodelação governamental só teria esse efeito se fosse substituído – além
do dr. Miguel Relvas, que obviamente já devia ter saído há muito tempo, por
razões éticas –, mas só daria esse novo élan se fosse substituído o ministro
das Finanças por um ministro das Finanças que tivesse uma visão mais humanista
e mais sensível aos problemas sociais. (…) A estratégia deste ministro das
Finanças, que colonizou o Primeiro-Ministro – como muito bem disse noutra
estação televisiva o dr. António Lobo Xavier –, é precisamente sobrecarregar o
sofrimento das pessoas, fazê-las sofrer o mais possível para que, ao fim de 2
ou 3 anos, venha aí de facto a bonança e o carnaval. Não virão, se o País
estiver destruído nada acontecerá depois de positivo. (…) O Primeiro-Ministro,
que se tornou psicologicamente dependente deste ministro das Finanças, nunca o
substituirá, portanto qualquer remodelação ministerial será irrelevante.”
3.
Sobre o principal partido da oposição:
·
“O Partido
Socialista tem sido bom na crítica ao Governo, tem sido certeiro nas críticas
que tem feito ao Governo, tem posto muitas vezes o dedo na ferida, mas ainda
não apresentou uma única ideia sobre o que seria uma política alternativa sem
rasgar o memorando.”
4.
Sobre
a evolução política próxima:
·
“Parece-me
quase impossível que não haja [eleições].”
·
“Se houver
uma situação social grave, eu vejo o Presidente da República Cavaco Silva, como
outro qualquer presidente, a dizer: ‘antes umas eleições do que uma situação
social explosiva e que saia completamente do controlo ou em que o poder caia na
rua. É evidente que, em circunstâncias dessas – que podem perfeitamente ocorrer
este ano –, o Presidente da República preferirá sempre a dissolução, devolver a
palavra ao povo, a quaisquer outras soluções.”
·
“O casamento de coligação tem possibilidades
de se manter? Eu acho que infelizmente tem. Não garante um bom governo, nem
garante a satisfação do eleitorado que votou neles, mas tem possibilidade de
sobreviver como muitos casamentos de conveniência. Porquê? Porque nenhum pode
sobreviver sem o outro. (…) Portanto, a coligação, embora forçada, está
condenada a um entendimento formal, exterior, de fachada. O Presidente da
República, que tem poderes constitucionais para intervir numa crise desta
gravidade, interpreta a sua posição – e está nesse direito – no sentido de que
não deve ser ele o protagonista das crises (…), portanto o Presidente também
não intervém. O PS, ou qualquer partido da oposição, pode apresentar uma moção
de censura mas se a maioria se mantiver coesa não dá nada. O Tribunal
Constitucional pode declarar 30 inconstitucionalidades, se calhar vai declarar
só 3 ou 4, portanto também não provoca a queda do Governo. E, portanto, o País
está num impasse, o País está bloqueado, este sistema político está bloqueado.
Qual é o perigo? O perigo é que, se todas as instituições que podem dar um
passo em frente para resolver a crise entendem que não devem fazê-lo, vão
continuar paralisadas umas a olhar para as outras até que o povo venha para a
rua forçar uma solução. Isto é, esta crise do sistema político português pode
pôr o poder na rua, eu acho isso muito grave. Acho que (…) todas as pessoas com
responsabilidades na governação e no andamento da sociedade portuguesa têm de
meditar muito bem nisto: é mau ter uma crise política, mas é muito pior entregar
o poder à rua, sobretudo se a rua estiver desesperada como, se calhar, vai
estar com um ano com mais sacrifícios do que outro qualquer.”
5.
Sobre
Passos e Vítor:
·
“Eu acho que
o problema, posto nesses termos – que é, no fundo, como o ministro das Finanças
o põe, o Primeiro-Ministro repete disciplinadamente – eu acho que é uma forma
errada de colocar o problema.”
·
“O Primeiro-Ministro
ignorou isso com a sua enorme inexperiência política, percebe-se hoje que não
tem a menor experiência política e tem muito pouco sentido político, muito
pouca intuição política.”
·
“Portanto, eu
acho que foi [declarar que o número 2 do Governo não é o líder do segundo
partido da coligação mas o ministro das Finanças], além de uma falta de educação,
um erro político.”
6.
Sobre
o memorando da Troika e a postura ideológica do Governo:
·
“Eu garanto-lhe que há muitas maneiras de
cumprir o memorando, na sua letra e no seu espírito, sem ser tão
fundamentalista na austeridade, no aumento dos impostos e nesta visão – que eu
acho que é mais ideológica do que política – que o atual Governo tem. O atual
Governo corresponde a uma tendência (…) que é reduzir ao mínimo o Estado social
e voltar, na maior medida possível, ao Estado liberal, sacrificando em grande
parte as classes médias e voltando a dividir as sociedades em pobres e ricos,
favorecendo os ricos e não se ralando muito com os pobres e, muito menos ainda,
com a classe média. Como deve compreender, eu estou completamente contra essa
ideia. (…) A fórmula é esta: ou o capitalismo consegue destruir o Estado social
ou o Estado social acabará por destruir o capitalismo.”
7.
Sobre
a política europeia:
·
“A posição de Portugal na Europa tem sido,
como já foi dito por muitas pessoas, uma posição, não é de bom aluno, é de
servo obediente, que leva a mala do seu senhor. (…) Colocar os interesses da
Troika e dos nossos credores acima dos interesses de Portugal e não defender os
interesses de Portugal naquilo em que poderiam permitir melhores condições do
que aquelas que foram obtidas. (…) Neste momento, as condições financeiras na
Europa melhoraram (…). Neste momento, Portugal já devia estar a conversar, não
com a Troika mas com os donos da Troika – Alemanha, Comissão Europeia e FMI –,
a dizer: ‘vamos lá a ver, o que é que daqui pode resultar para nós aliviarmos o
sofrimento dos portugueses. Mas eles não querem aliviar o sofrimento dos
portugueses, querem manter e, se preciso, agravar o sofrimento dos portugueses
como se os portugueses tivessem que ser punidos porque houve maus governos que
os governaram mal e que levaram o País à bancarrota. Isto é de uma injustiça
flagrante.”
8.
Sobre
o relatório do FMI:
·
“Em primeiro
lugar, [o relatório do FMI] foi encomendado pelo Governo, quer dizer, nós na
altura em que ele foi encomendado soubemos pelo dr. Marques Mendes, creio que
nesta estação televisiva, que o Governo tinha encomendado o relatório e que os
resultados iam ser 4 mil milhões cortados. (…) É óbvio que o Governo disse: ‘olhem,
nós queremos isto, fundamentem, ajudem-nos a fundamentar isto’. Bom, e portanto
isso tira muito valor ao relatório. Aquilo não é um exame objetivo e imparcial
da situação portuguesa, é um frete feito ao Governo. (…) É pior do que um
documento político, é um documento ideológico.”
·
“Em que
setores é que o Estado deve fazer cortes? Aí o relatório do FMI é muito
contraditório, porque umas vezes diz que não se deve ir para cortes cegos em todos
os setores e outras vezes diz que sim, que se deve.”
·
“O FMI, se
tivesse atuado neste caso como uma entidade independente, nunca tinha aceitado
que o Governo dissesse: ‘só quero que você me justifique cortes nestes três ou
quatro setores’. O FMI devia ter dito: ‘não, não, eu quero examinar os setores
todos, para saber se a vossa escolha da educação, da saúde e da segurança
social como alvos prioritários dos cortes está certa ou está errada.”
9.
Sobre
o corte de 4 mil milhões de euros:
·
“Eu defendo
que Portugal tem de continuar a ter um Estado social, como todos os outros
países têm (…), mas temos que reduzir a dimensão do Estado social à dimensão da
nossa capacidade económica e financeira. Bom, será 4 mil milhões de euros? Eu
tenho dúvidas. Nunca ninguém nos explicou porque é que eram 4 mil milhões e não
eram 5 ou 3, nunca ninguém explicou. Isso é a primeira coisa que eu reclamo que
seja discutida. Juntamente com outra: o Estado quer cortar 4 mil milhões de
euros, a título permanente, na despesa pública para quê? Para corrigir o
défice, mantendo o enorme aumento de impostos lá em cima ou para poder reduzir
os impostos a uma proporção mais razoável? É que se for para poder reduzir os
impostos a uma proporção mais razoável eu estou de acordo. Se for para somar ao
enorme aumento de impostos, que continua lá em cima perto da Lua, eu estou
completamente contra.”
·
“Eu estive a
fazer as minhas contas: 60% da despesa pública corrente do Estado é qualquer
coisa que atira para à volta de 75 a 80 milhões de euros e 40% atira para
qualquer coisa entre os 45 e os 50 mil milhões de euros. Se é preciso cortar 4
mil milhões, porque é que eles têm de ser cortados nos 60% que são Estado
social e não nos 40% que são o Estado não social, o Estado soberano, o Estado
administrativo, o Estado das gorduras, o Estado dos ‘boys and girls’ dos
partidos? Eu preferia fazer incidir aí os cortes e era muito possível cortar
mais de 4 mil milhões de euros nesses setores.”
·
“Daí que a
discussão do corte dos 4 mil milhões esteja inquinada. Das duas, uma: ou o
Governo já decidiu o que é que vai cortar, e então estamos a assistir a uma
encenação que não vale nada, ou o Governo quer seriamente discutir a reforma do
Estado e a primeira coisa que devia era convencer a Troika a dar-nos três ou
quatro meses. Porque a reforma do Estado não se discute num mês e, muito menos,
em três semanas. É falso, é uma farsa. Isto não é verdade. O que está a
passar-se diante dos nossos olhos, isto não é verdade. Isto ficará para sempre
na nossa História como uma coisa indecente. (…) Se o Governo não está de boa-fé,
já decidiu tudo, só quer fingir que está a ouvir umas pessoas – ainda hoje
vimos que nem sequer deixa a comunicação social assistir –, então realmente não
vale a pena. (…) Se o Governo quisesse dar uma prova de seriedade e convencer o
País de que realmente leva a sério esta questão, deveria arranjar mais tempo e
chamar institucionalmente os partidos políticos, a concertação social, empresas
e sindicatos, universidades, laboratórios de investigação em matérias
económicas e sociais para todos em conjunto podermos fazer isso. E nós somos
bons a fazer coisas depressa.”
10.
Sobre
o Estado de direito:
·
“Porque os
economistas e os engenheiros detestam os juristas e acham que os juristas só
servem para complicar a vida às pessoas, mas a verdade é que os juristas servem
para defender os direitos das pessoas. E há direitos das pessoas, nomeadamente os
reformados, que estão a ser violentamente ofendidos, já o foram no orçamento
anterior e são novamente neste orçamento. Ainda bem que há juristas, ainda bem
que há tribunais, ainda bem que há… não digo forças de bloqueio mas forças de
controlo do exercício do poder político, porque o exercício do poder político muitas
vezes cai na inconstitucionalidade, na injustiça, na ofensa dos direitos de
cada um.”
Muito material para refletir e ir revisitando…
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